As
vicejantes fronteiras da Neuroplasticidade
Por Carlos Sherman
A plasticidade neural
é um fato; não obstante, muita besteira tem sido dita sobre o tema. Existem
limites para o fenômeno, assim como como períodos críticos e “janelas” nas
quais as conexões neurais se reorganização, complementam ligações, e até mesmo
encontram novos caminhos. As janelas de tempo mais sensíveis à dita
plasticidade neural são também conhecidas por imprintings... uma alusão
à uma espécie de marca que funcionará como uma conexão neural estável, muitas
vezes irreversível.
Tomemos a visão; nascemos
com o aparato ótico bem formado, o globo ocular, o cristalino, a retina, e lá
estarão os cones e bastonetes, o nervo ótico... mas a circuitaria final no Lobo
Occipital ainda precisará terminar o seu trabalho, e não bastarão os marcadores
de desenvolvimento neural; serão necessários fótons, luz, excitação dos cones e
bastonetes, para que as terminações que decodificam a visão terminarem o seu
papel no Córtex.
Em 1990, nos pântanos
do Danúbio, um garoto de seis anos, e sua amiguinha de infância, ganharam um
patinho - cada. Os patinhos os seguiam a toda parte, relacionando as crianças a
seus pais. Essas crianças cresceram e se casaram. Estamos falando de Konrad
Lorenz - casado com Gretl. Lorenz foi um renomado zoólogo, etólogo e ornitólogo
austríaco, e ganhou o Nobel de Fisiologia/Medicina de 1973 por seus estudos
sobre o comportamento animal. Mas o seu maior feito, no entanto, foi a
observação do fenômeno batizado de imprinting. O imprinting pode
ser descrito como uma espécie de marca - irreversível - deixada sobre o cimento
fresco do desenvolvimento ontogenético. Observamos imprintings sobre a
finalização do sistema visual, sobre a fala, sotaques, e até mesmo em laços
afetivos - como o reconhecimento do rosto da mãe, que no caso dos patinhos
começou com um menino, de terminou como um cientista de cavanhaque.
Lorenz trabalhou com
gansos, e descobriu que se o filhote ganso tivesse menos de 15 horas, ou mais
de 3 dias, não sofreria imprinting - neste caso, em relação ao rosto
materno. Neste período, o primeiro candidato, e que passasse algum tempo com o
gansinho, seria adotado como pai - irreversivelmente. Isso não quer dizer que
não tenhamos outras formas de adotar pais, mães, avós, tios, etc. Mas o imprinting
é uma experiência diferente, e tem o status de uma marca natural, inata, de uma
impressão física sobre o comportamento - quase um desdobramento da genética.
Voltando ao imprinting,
e por exemplo no caso da audição, o rei mongol Akbar, o Grande, no século XVI,
isolou várias crianças ao nascer, e que eram cuidadas por mulheres impedidas de
falar com elas até os 13 anos - idade em que ele ascendeu ao trono. O objetivo
era verificar se tais crianças apresentariam uma tendência inata a tornarem-se
hindus, muçulmanas ou cristãs. Na verdade, o Akbar conseguiu foi demonstrar que
sofremos imprinting também em nosso sistema auditivo ao nascer. Todas as
crianças se tornaram irreversivelmente surdos-mudas; mas nenhuma delas
apresentou qualquer inclinação religiosa.
Temos os casos dos
meninos selvagens - além de Mogli - Victor, Kaspar Hauser, e o grotesco caso de
Genie. Genie foi confinada, amarrada, torturada, por uma mãe cega e abusiva, e
um pai paranoico, que costumava latir e rosnar na porta de seu quarto escuro
enquanto ela chorava. Ela passava todo o tempo enjaulada sobre a cama. Genie,
depois de resgatada de seu suplício, nunca conseguiria aprender a falar,
concatenar expressões, e organizar frases. Ela só conseguia balbuciar duas
palavras quando foi encontrada: "stopit", "nomore". Genie
aprendeu outras palavras, mas nunca foi capaz de estruturar uma frase. Genie se
tornou obcecada por colecionar objetos plásticos, entre muitas outras
obsessões.
Sua recuperação foi
tão terrível quanto sua vida. O pai se suicidou. Houve certo progresso no
início dos tratamentos, mas as equipes que assistiram Genie finalmente jogaram
a toalha. Ela ainda está viva, internada em um lar para retardados mentais, sob
severa vigilância.
O rei Psamético do
Egito, Frederico II - imperador do Sacro Império Romano - e o rei Jaime IV da
Escócia fizeram experiências de isolamento com crianças. No caso de Frederico,
para saber sobre a nossa tendência linguística inata: hebraico, árabe, latim ou
grego? O resultado foi a morte de todas as crianças.
Sessenta anos antes de
Lorenz, o naturalista Spalding havia descrito o imprinting em animais.
Lorenz e Spalding estavam conectados pelo estudo do imprinting. Spalding
antecipou muitas descobertas neurocientíficas; descrevendo, e.g., como um
pintinho recém-nascido “seguirá qualquer objeto em movimento. E, quando guiado
apenas pela visão, ele não parecerá ter uma disposição maior para seguir um
pato do que um porco ou um ser humano [...]. Há o instinto a ser seguido, e a
audição, anterior à experiência [que começa no útero - grifo meu], trata de
ligá-lo ao objeto certo [a galinha - grifo meu]".
Spalding descreveu
extraordinariamente como um pintinho encapuçado “foge dele” quando descoberto; mas,
se descoberto um dia antes, “correria para ele”, seguindo-o por toda parte.
Lorenz, resgatou tais ideias e cunhou o termo imprinting - esse “lapso
de tempo em que a experiência age irreversivelmente sobre o comportamento”.
Como marcas no cimento fresco, e muitas vezes, finalizando sistemas neurais,
como a visão e a audição, e atuando também sobre referências afetivas.
Considerem a força do imprinting, considerem a força da educação, na
tenra infância.
Filhotes de ganso
seguem qualquer coisa que se mova na infância, como descobriu Lorenz. E apesar
do seu sucesso com patos, ele não pôde repetir sua experiência com patos
selvagens. Ele até imitou o som deles, mas não deu certo... Em 1960, Gilbert
Gottlieb estudou patos selvagens percebendo que estavam fadados aos chamados de
sua própria espécie. Mas Gottlieb fez algo interessante e terrível: ele
emudeceu os patinhos ainda no ovo, cortando suas cordas vocais, e adivinhem?
Eles passaram a ignorar os sons de sua própria espécie.
Considerem a seguinte
questão: Em 1989, David Barker analisou o destino de mais de 5.600 jovens,
nascidos entre 1911 e 1930 em uma cidade no sul da Inglaterra. Aqueles que
tiveram menor peso ao nascer vieram a apresentar mais altas taxas de
mortalidade por doenças cardíacas isquêmicas. O risco era de quase 03 vezes em
relação às crianças mais pesadas. Essa é uma das provas de que os problemas
cardíacos são menos dependentes do que você come.
Barker estendeu a
pesquisa para outros países com os mesmo resultados, de forma que, concluiu
ele: "se nenhuma destas crianças tivesse sido magra ao nascer, o índice da
doença coronariana cairia pela metade mais tarde”. Isso também pode ser
considerado um imprinting – um papel da dita plasticidade neural. Barker
descobriu que comutadores genéticos consideram que o corpo do bebê mal nutrido
será mal nutrido por toda a vida.
Lorenz ganhou o Prêmio
Nobel com Niko Tinbergen, e eles fundaram a Etologia. Mas na época da guerra, e
graças a Hitler, eles foram presos. Lorenz, na verdade, foi preso pelos russos;
Tinberger foi preso pelos alemães. Tinberger lutou na resistência holandesa; mas
não foram felizes em seu intento, e os alemães mantiveram o controle de boa
parte da Holanda. Neste período, exatamente em função da resistência, além das
greves de trabalhadores holandeses, o comando alemão na Holanda ordenou um
corte de suprimentos e alimentos. Mais de 10.000 pessoas definharam até a morte
neste período de fome. Neste mesmo período havia cerca de 40.000 gestações em
curso; e resultado de tais gestações, sob efeito da fome, seria registrado
cientificamente, assim como o peso dos recém nascidos, sem deixar dúvidas. Na
década de 60, pesquisadores da Universidade de Colúmbia estudaram os dados e
descobriram bebês malformados, altas taxas de mortalidade infantil, e altas
taxas de natimortos. Mas o mais importante foi que eles descobriram algo
notável: somente os bebês que estavam no último trimestre de gestação, neste
período de penúria, sofreram com o baixo peso. Estes bebês apresentaram mais tarde
problemas como diabetes, como resultado - pasmem - do conflito entre o seu
fenótipo econômico em contraste com a nova abundância de alimentos. Os
bebês que viveram o período de penúria no início de gestação nasceram com bom
peso, mas quando atingiram a vida adulta, surpreendentemente, deram a luz a
bebês incomumente pequenos.
Pat Bateson observa
que gafanhotos levam várias gerações para passar de uma conduta social
solitária para a um comportamento social gregário, e depois começam de novo.
São necessárias várias gerações para o ser humano oscilar entre os fenótipos
econômicos e esbanjadores - de calorias. Isso explica, por exemplo, porque a
Finlândia tem uma taxa de mortalidade por problemas cardíacos 04 vezes maior
que a França.
O governo da França começou
a suplementar rações para mães grávidas depois da guerra franco-prussiana na
década de 1870. E a Finlândia vivia em relativa pobreza até 50 anos atrás.
Sendo estas as primeiras gerações a experimentarem abundância de recursos e
calorias, e consequentemente a sofrerem mais problemas coronarianos. Um evento
pré-natal pode ter longo alcance, impossível de neutralizar ao longo da vida.
Mesmo algumas sutis diferenças podem ser atribuídas a imprintings
pré-natais. Lembrando que o ambiente pré-natal não pode ser compartilhado
exceto por gêmeos. Sendo assim, as injúrias sofridas neste período como a
desnutrição, uma gripe, ou a excessiva exposição à testosterona, serão notadas
por todo a vida, como uma instrução genética.
Não é por acaso que a
fraudulenta Psicanálise se mostrou tão inepta em mudar pessoas, afinal o
infindável processo sempre foi bem lucrativo: “te vejo na semana que vem”...
Uma série de
experimentos foram conduzidos para ilustrar o poder do imprinting. Em
muitas espécies de aves, observou-se que um filhote macho criado por uma mãe
adotiva de outra espécie sofre imprinting sexual pela espécie da mãe
adotiva. E existe sempre um período crítico para isso, que varia de espécie
para espécie, entre algumas horas, a no máximo alguns dias. Entre 05 e 15
horas, e 02 e 03 dias.
A exposição à
testosterona exerce imprinting na gestação, afetando o gene HOX que
controla o tamanho dos órgãos genitais, assim como o tamanho dos dedos. O imprinting
sofrido fica então registrado nos dedos – bem-dotados... Por exemplo, na
maioria dos homens, o tamanho do dedo anular é maior do que o indicador. Nas
mulheres, os dois dedos são em geral do mesmo tamanho. Uma mulher exposta
excessivamente à testosterona, no útero, apresentará maiores dedos anulares. Os
homens com dedos anulares incomumente longos - e veja a importância das
correlações estatísticas - apresenta muito mais risco de estar associado ao
autismo, dislexia, gagueira, disfunção imune, mas estranhamente geram mais
filhos. Homens com dedos anulares extremamente curtos, apresentam elevado risco
de doenças cardíacas e infertilidade.
Voltando aos gansos,
Lorenz sacou que filhotes de ganso, além de outras aves, marcados por imprinting
em relação a ele, não só o tratavam como pai, mas pareciam sexualmente fixados
nele.
Matt Riddley conta que
ele e a irmã descobriram na infância que uma rola-de-coleira, uma pequena ave,
apaixonou-se pelos dedos das mãos e dos pés da irmã dele; provavelmente porque
foram alimentados por eles desde o nascimento. Mas a “paixão” de uma rola,
neste caso uma pequena rolinha, não pode ser parametrizada com tanta segurança.
Está claro há muito
tempo que as preferências sexuais são fixadas no início da vida, senão no útero;
e serão muito difíceis de mudar ao longo da experiência. Não existem cientistas
sérios que realmente considerem que a sexualidade seja definida na
adolescência. “A adolescência meramente revela o negativo da película.”
(Riddley; 2008).
Blanchad aposta na ordem
dos nascimentos cruzada com o peso, e o sexo dos irmãos antecessores, para
justificar um dos fatores que aumentam dramaticamente a incidência do
homossexualismo. No caso do homossexualismo masculino, é necessário que existam
pelo menos um dois ou três irmãos antecessores do sexo masculino. Irmãs
predecessoras não afetam a estatística. Isso, cruzado com o peso do bebê. Isso
porque a mãe produz anticorpos contra a testosterona – um importante marcador
no desenvolvimento fetal no caso dos machinhos... e a mãe se torna cada vez
mais eficiente nesse processo, filho após filho, se machos em sequência.
Normalmente um segundo
bebê é mais pesado que o primeiro do mesmo sexo. Os meninos são especialmente
mais pesados se nascem após uma ou mais irmãs. Mas embora o segundo menino seja
mais pesado que o primeiro menino, o terceiro tende a ser menor, e menor que o
primeiro - inclusive. Blanchard demonstrou que meninos nascidos após um ou mais
irmãos são em geral pelo menos 170 gramas menores ao nascer quando se tornam
gays. Assim como Barker, Blanchard acredita que a genética e a vida uterina
formam o bebê para a vida.
As paróquias luteranas
registravam todos os marcos das vidas de seus fiéis, e seus arquivos foram de
grande valia para o estudo do imprinting no útero - uma verdadeira mina
de ouro para a Ciência. Eram registros que remontam do século XVI, mas que a
partir de 1749, passaram a cobrir toda a população finlandesa.
Ao comparar, e.g., a
história de vida de pares de gêmeos do mesmo sexo com pares de gêmeos de sexos
dispares, notou-se que as meninas que dividiam o útero com um irmão - um gêmeo
fraterno - apresentavam um sucesso reprodutivo muito menor. Meninas gestadas na
companhia de outra menina tiveram destino idêntico ao dos meninos, 95% se
casaram e 90% tiveram filhos. Em média essas meninas tiveram 05 filhos - uau,
luteranas não tomam pílula, rsrsrs... dos quais 03 sobreviveram após os 15
anos. Meninos que dividiram o útero com meninas apresentaram o mesmo destino.
Mas o impressionante
aconteceu com as meninas que dividiram o útero com um irmão; apenas 80% se
casaram, mas só 65% tiveram filhos. Em média 03 filhos, e somente dois
alcançaram os 15 anos. O estudo mostrou também que o resultado não era devido à
convivência com outro irmão, afinal mesmo quando o gêmeo masculino morria ao
nascer, e a menina era educada na companhia de outra irmã, ou mesmo analisando
meninas que não foram gêmeas fraternas em convívio com irmãos, a estatística se
mantinha inabalável.
Apesar do sexo
feminino ser o default nos mamíferos, a explicação mais provável decorre
da produção de testosterona pela gestação dos meninos, que atravessa a placenta
e afetam as meninas. O mesmo fenômeno pode ser observado em inúmeras espécies.
A testosterona bagunça o sistema de marcadores neurais da menina, de forma que
sua funcionalidade feminina se vez grandemente afetada.
É até fácil inferir a
existência de períodos críticos durante os quais o cimento fresco
neurofisiologia, da formação da personalidade ou mesmo do caráter pode ser
marcado pelo imprinting. Mas não é tão simples compreender como isso
funciona. O que ocorre no cérebro para que um filhote de ganso sofra imprinting
de um professor? Os experimentos mostram, e.g., que quando um filhote recebe imprinting
de seus pais estas lembranças são estabelecidas em uma parte do hemisfério
esquerdo do cérebro, chamado IMHV (intermediate and medial hyperstriatum
ventral). Um surto de mudanças acompanha o imprinting, e os
neurônios alteram sua forma; as são estabelecidas, e alguns genes e comutadores
são ativados. Sabemos disso, em parte, porque se o IMHV for danificado o
filhote não sofrerá imprinting dos pais.
McCabe observou que o
GABA - um neurotransmissor - é liberado pelas células cerebrais no IMHV – lado esquerdo
- durante o imprinting. No final
do período crítico, a liberação do GABA é reduzida.
Até a década de 1930 crianças
que nasciam com catarata e estavam cegas somente sofriam intervenção cirúrgica
após os dez anos de idade, e quando já era muito tarde. Era simplesmente muito
tarde para que o Sistema Visual pudesse aprender a ver, mesmo depois da remoção
da catarata. Hoje o problema é solucionado mais cedo e a criança pode aprender
a ver, distinguindo profundidade e forma adequadamente.
Macacos criados na
mais completa escuridão durante os primeiros seis meses de suas vidas, levam
meses para distinguir círculos de quadrados; algo que seria naturalmente
aprendido em dias. Durante os primeiros meses de escuridão o cérebro não
consegue decodificar o que os olhos veem, e importantes conexões neurais serão
bloqueadas ou perdidas para sempre.
Mas existe um senão, o
imprinting mostra que nem a imagem da mãe e nem a cultura infantil são
inatas, stricto sensu; mas a sua capacidade de receber tais marcas sim.
A Genética controla o gap, a janela de tempo, para os diferentes tipos
de imprinting. Desde as glândulas sudoríparas, a visão, a audição, a
preferência por alimentos, rituais etc... uma criança é rigorosamente marcada
em todos os sentidos. Os imprintings selam o processo de desenvolvimento
de nossa natureza, em interação com o meio.
Vejamos o sotaque:
mudamos o nosso sotaque facilmente na infância e na juventude. Mas entre os 15
e 25 anos, variando de pessoa para pessoa, esta capacidade simplesmente
desaparece. A partir de então, já não será possível absorver alguns inflexões e
hábitos do novo ambiente linguístico. Isso vale também para sotaques regionais.
Os adultos retêm o sotaque de sua juventude, e os jovens adotam o sotaque que
os rodeia. Lenneberg afirmou que a capacidade de aprender a linguagem termina
abruptamente na puberdade.
Um bebê humano nasce
prematuramente... podemos afirmar. Um cavalinho nasce e cavalga, enxerga e come
sozinho. Um bebê humano é totalmente dependente da ajuda de seus pais ou pares
adultos. E a força física, ao longo da evolução, cedeu lugar à força
estratégica de nossos lações sociais. De forma que um bebê humano estará pronto
quando a socialização cumpre o seu papel, e este período crítico no
desenvolvimento tem as suas janelas abertas até os 05, 06 anos de idades, e
principalmente quando a região Ventral Medial do Lobo Pré-Frontal, sela o seu
destino. Que só poderá ser reordenado ou destruído, em caso de severo
traumatismo, ou tumores – vide caso Phineas Cage.
Despois deste período,
boa parte de nosso destino em termos de personalidade social estará selado.
Diferentemente de outras regiões do cérebro, principalmente na parte sensorial
e motora, a personalidade não é facilmente moldada. Vale considerar que em
nossa vida como caçadores-coletores, em clãs de 100 a 300 pessoas, as crianças
só acompanham seus progenitores, principalmente a mãe, até esta idade... 05 e
06 anos. É neste período que a empatia mostra seus limites, e crianças autistas
e não autistas se diferenciam – vide teste Sally-Ann. Também nessa fase termina
o desenvolvimento do ToM, ou Theory of Mind, responsável por boa parte de
nossas estratégias em comunicação: (1) O que será que ele achou do que eu
disse? (2) O que será que ele pensou sobre o que eu disse sobre ela? Etc...
Finalmente uma anedota,
um caso real, para exemplificar a plasticidade em caso de traumatismos ou danos
às conexões neurais... Tenham em mente o engenhoso Mapa de Penfield, onde o pé
está contíguo aos órgãos genitais. Portanto, se uma pessoa perde a perna e é
estimulada nos órgãos genitais, experimentará sensações na perna fantasma, já
que existirá confusão sensorial, irradiando informação procedente da genitália
para a perna... e vice-versa. Veja o diálogo de V.S. Ramachandran com um de
seus pacientes a respeito (Ramachandran; 2010):
-
É o Dr. Ramachandran?
-
Sim.
-
Sabe, doutor, li algo sobre seu trabalho no jornal, e é realmente empolgante.
Perdi minha perna abaixo do joelho há dois meses, mas ainda há alguma coisa que
não entendo. Gostaria da sua opinião. De que se trata? Bem, sinto-me um pouco
embaraçado em contar isso.
Eu
sabia o que ele ia dizer.
-
Doutor, toda vez que tenho relações sexuais, tenho sensações em meu pé
fantasma. Como o senhor explica isso? Meu médico diz que não faz sentido.
-
Veja uma das possibilidades é que os órgãos genitais estão bem perto do pé nos
mapas do cérebro. Não se preocupe.
Ele
riu nervosamente.
-
Tudo isso é perfeito, doutor. Mas o senhor ainda não está entendendo. Veja,
sinto realmente o orgasmo no meu pé. E, portanto, é muito mais intenso e maior
do que costumava ser, porque não está mais confinado aos meus órgãos genitais.
Os pacientes não
inventam essas histórias. Fazendo um trocadilho com o famoso livro de Sacks, O
homem que confundiu sua mulher com um chapéu, Ramachandran bem poderia
publicar O homem que confundiu o seu pé com o pênis. Daí podem decorrer
parte dos fetiches sexuais envolvendo os pés... A explicação freudiana não
poderia ser mais ridícula e forçada, como tudo em Freud: “o pênis se assemelha
ao pé”. Ao pé? Não mesmo... talvez o nariz... Mas o pé não tem nada a ver com
pênis, a começar que são dois pés, e terminam em dedos.
Mas o que acontece
quando o pênis é amputado? O carcinoma do pênis às vezes é tratado com
amputação, e muitos desses pacientes sentem um pénis fantasma, e até ereções
fantasmas! Nesse caso, seria de esperar que uma estimulação dos pés fosse
sentida no pênis fantasma. Um paciente assim acharia especialmente delicioso
dançar sapateado!!!
E o caso da
mastectomia? Um neurologista italiano, Dr. Salvatore Aglioti, descobriu
recentemente que certa proporção de mulheres submetidas a mastectomia radical
sentem nítidos seios fantasmas. Mas, que partes do corpo estão mapeadas perto
dos seios? Verificou-se que quando estimulamos regiões perto da clavícula,
adjacentes ao tórax, ou partes do esterno, as sensações são sentidas no mamilo
do seio fantasma. E o respectivo mapeamento
ocorreu apenas dois dias depois da cirurgia.
Aglioti descobriu ainda
que um terço das mulheres com mastectomia radical relatavam formigamento,
sensações eróticas em seus mamilos fantasmas, precisamente quando os lóbulos
das orelhas eram estimulados. Mas Isto só acontecia no seio fantasma, não no
real. Aglioti concluiu que no mapeamento sensorial os lóbulos das orelhas
também estão próximos ao mamilo, assim como a áreas sensíveis na vagina. Isso
explica por que mordiscadas na orelha fazem parte das preliminares sexuais. Por
outro lado, no caso de mamilos fantasmas existe um caminho preferencial
irrigando área que já não traz estímulos sensoriais.
A personalidade, e.g.,
está encravada em nossa fisiologia; e mesmo a aprendizagem está limitada pelo
desenvolvimento fisiológico de nossas estruturas neurais. Nos Estados Unidos,
nos últimos 25 anos, muitos psicólogos do desenvolvimento se transformaram em
cientistas cognitivos, passando a estudar o cérebro em busca da compreensão
sobre o desenvolvimento. Uma pergunta crítica para os cientistas cognitivos é:
existe correlação entre os estágios comportamentais universais do
desenvolvimento e os estágios fisiológicos e de transformação neural. Por
exemplo, se o aprendizado da matemática começa a acontecer em certa idade, será
que existe uma estrutura cerebral específica ou um conjunto específico de
neurónios que se desenvolvem ao mesmo tempo para tomar conta da aprendizagem de
matemática? A resposta parece ser sim: existe uma correlação entre mudanças
neurais e desenvolvimento cognitivo.
Correlatos neurais de
mudanças cognitivas foram investigados na percepção, na atenção, na memória, na
linguagem, nas habilidades motoras e em processos mentais como o raciocínio.
Mas é importante lembrar que simplesmente observar uma correlação entre
desenvolvimento neural e cognitivo não significa necessariamente que as
mudanças cerebrais causaram as mudanças comportamentais. Afinal de contas,
também existe uma correlação entre a altura e o comportamento da criança, mas é
improvável que o tamanho físico seja responsável pelo desenvolvimento
cognitivo. No entanto, esses experimentos fornecem evidências convergentes que
são consistentes com um vínculo causal.
Existem ao menos dois
importantes motivos para o desenvolvimento cerebral: (1) o amadurecimento
funcional de estruturas; (2) a conexão com outras estruturas. No processo de
poda sináptica, por exemplo, conexões sinápticas frequentemente utilizadas são
preservadas, enquanto caminhos pouco utilizados serão abandonados pelo cérebro.
As conexões neurais se
assemelham a uma intrincada rede de possibilidades, enquanto as sinapses são
bioquímicas. O cérebro do bebê desenvolve muitos mais caminhos e conexões do
que o necessário. E depois, na poda, uma política rígida entrará em cena: “use ou
perca”...
Uma vez que essas
conexões estejam estabelecidas, o cérebro trata de torná-las permanentes pelo
reforço. E um dos processos envolvidos nesta sedimentação é a mielinização, que
consiste em envolver o neurônio (axônio) em uma bainha de mielina, e garantindo
assim que a velocidade neste neurônio seja maior. Só depois que certas conexões
cerebrais estejam estabelecidas é que os bebês estarão aptos para desenvolverem
determinadas habilidades cognitivas. A ideia de que a aprendizagem é limitada
pelo desenvolvimento do cérebro, ou pelo menos estreitamente ligada a ele, é um
conceito novo e estimulante, energizado pela revolução biológica na ciência
psicológica.
Finalmente, a
plasticidade deve ser olhada com critério e reserva, já que o conceito é muito
amplo, e já que existem limites para esse expediente fisiológico. E é
exatamente essa a fronteira para o desenvolvimento: a fisiologia. Mas parte
desse processo decorre da Genética, da Gestação, da Finalização do
Desenvolvimento Fetal... e parte é regenerativa. Não podemos confundir todos
esses papéis com apenas um conceito que sai de uma nuvem, criando um sem número
de possibilidades quase mágicas. Porque não é assim que funciona a
plasticidades... e ela tem limites.
Carlos Sherman
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