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quarta-feira, 15 de maio de 2013

Um carro e duas cabras...

Decisões cotidianas são probabilísticas
Estudos na área de neurociência da probabilidade revelam que escolhas diárias são determinadas por regras aleatórias
por Michael Shermer
Imagine que você está participando do famoso programa de televisão americana “Let´s make a deal” (“Vamos fazer um negócio”), o equivalente do “Domingo no Parque” do SBT, nos anos 1980, em que Silvio Santos propunha a troca de coisas inusitadas como uma motocicleta por um prendedor de roupa. O apresentador, no caso o americano Monty Hall, indica ao participante três portas: atrás de uma delas está um carro novo. Atrás das outras estão duas cabras. Você escolhe a porta número um. Monty, que sabe o que está atrás de cada porta, mostra que atrás da porta número dois está uma cabra, e pergunta: ─ Você quer ficar com a porta que escolheu ou quer mudar? Nosso senso de números ─ tendência natural para pensar informalmente e focalizar seqüências pequenas de números ─ nos diz que a probabilidade de escolher o carro ou a outra cabra é de 50%, logo não importa, certo?

Errado. No início você teve uma em três chances de acertar no carro, mas agora que Monty lhe mostrou o que está atrás de uma das portas, você tem dois terços de chance de ganhar, se mudar. A razão é a seguinte: há três configurações possíveis para as três portas: (1) boa, ruim, ruim; (2) ruim, boa, ruim: (3) ruim, ruim, boa. Na primeira opção (1) você perde se mudar, mas na segunda (2) e na terceira (3) você tem a chance de ganhar, se trocar. Se a sua noção comum de números ainda está bloqueando a racionalidade de seu cérebro imagine que existam 10 portas: você escolhe a porta número 1, e Monty lhe mostra as demais portas, da 2 até a 9, todas com cabras. Agora você troca? Claro que sim, porque suas chances de ganhar aumentaram de uma em dez para nove em dez. Este tipo de problema que funciona contra a intuição leva as pessoas à falta de habilidade numérica, incluindo matemáticos e estatísticos, que censuraram Marilyn von Savant, quando ela apresentou pela primeira vez esse quebra-cabeças em sua coluna da revista Parade, em 1990.
O “problema de Monty Hall” é apenas um dos muitos quebra-cabeças de probabilidade que o físico Leonard Mlodinow, do California Institute of Technology apresenta em seu novo e divertidíssimo livro The Drunkard’s Walk (A caminhada do bêbado, Pantheon, 2008). O título utiliza uma metáfora (às vezes chamada de “caminhada aleatória”) para fazer uma analogia entre “a trajetória de moléculas caminhando livremente pelo espaço, trombando continuamente umas com as outras,” e a “nossa vida, nossa trajetória da universidade para a vida profissional, da vida de solteiro para a vida familiar, da bicicleta para o primeiro carro.” Embora inúmeras colisões aleatórias tenham a tendência de se anular mutuamente devido à lei dos grandes números ─ segundo a qual eventos improváveis, provavelmente ocorrerão desde que tenham tempo e chances suficientes ─ uma vez em grandes intervalos de tempo quando, “a pura sorte ocasionalmente leva a uma predomínio desigual de golpes provenientes de uma determinada direção, e ocorre uma sacudidela.” Percebemos um sacolejo direcional improvável, mas ignoramos os zilhões de colisões insignificantes que atuam na contra-mão.

Na Terra do Meio do antigo ambiente natural em que nos desenvolvemos (ver Notícia de 24/10/2008 em www.sciam.com.br): “A noção de probabilidade não é intuitiva”, do mesmo autor ─ nossos cérebros jamais desenvolveram uma rede de probabilidades, e assim nossa intuição está mal-preparada para lidar com muitos aspectos do mundo moderno. Nossa intuição pode ser útil para lidar com pessoas e relacionamentos sociais, que evoluíram de forma tão comum e importante para espécies sociais de primatas como a nossa, quando lutávamos pela sobrevivência nos ambientes hostis do Paleolítico. No entanto, ela falha quando precisamos tratar de problemas probabilísticos em jogos de azar.

Suponhamos que você esteja jogando na roleta e acerta cinco vezes seguidas, no vermelho. Deveria continuar com o vermelho porque está numa “maré de sorte,” ou mudar porque agora é a “vez” do preto? Não importa, porque a roleta não tem memória, embora os jogadores sempre utilizem os dois princípios, mito da “maré de sorte” e mito “da vez,” para alegria dos proprietários de cassinos.

Existe uma enorme quantidade de processos adicionais aleatórios sobre os quais formamos um senso numérico popular. A “lei dos pequenos números”, por exemplo, levou executivos da indústria cinematográfica de Hollywood a demitir produtores bem-sucedidos depois da curta permanência em cartaz de bombas de bilheteria, para logo descobrirem que os filmes seguintes, produzidos durante a gestão do produtor, se tornaram sucessos de bilheteria após sua demissão. Os atletas que aparecem nas capas de revistas esportivas em geral passam por um declínio profissional, não por causa de má sorte, mas pelo “retorno à mediocridade,” onde o desempenho exemplar que os levou a sair na capa é em si um acontecimento de baixa probabilidade, e difícil de se repetir.
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