Podemos dizer que o cristianismo provocou uma ruptura com o mundo e a cultura clássica... A perfeição já não era mais uma aspiração ou uma experiência terrena, e sim para a vida após a morte, e no 'paraíso' - ou no inferno...
Augustus, o primeiro imperador romano, em 13 AEC, dedicou um gigantesco e caro monumento à PAX ROMANA, o Altar da Paz ou Ara Pacis, uma raridade em tempos onde monumentos eram erigidos apenas para celebrar guerras e conquistas sangrentas... Augusto foi o sobrevivente de anos e anos de guerras civis entre os romanos, e que destruiu a antiga república... E finalmente a PAZ... E como proclamar sua vitória disfarçando o fato de que foi conseguida sobre os corpos de milhares de romanos??? A saída foi inusitada e brilhante, a PAX ROMANA... E toda a propaganda aponta para este feito, e aponta para Augustus...
Trinta anos se passaram, e Augustus manda erigir outro importante monumento, o Res Gestae, desta vez uma espécie de Curriculum Vitae dos feitos de Augustus, onde ele diz ao final: “Eu devolvi o poder ao povo romano” – o que não foi verdade, afinal ele liderava o exército, o senado, a justiça, e tudo... Todo o poder estava concentrado nas mãos de Augustus... Um século depois, o grande historiador romano Cornelius Tácitus, nos deu uma descrição precisa e preciosa sobre o governo de Augustus, em apenas três palavras: Tranquilitas non Llibertas...
Penso na paz que os cristãos e crentes na vida eterna costumam evocar, em razão do auto-engano infundido pelo medo, e penso: Tranquilitas non Llibertas... Tranquilitas non Veritas... Mas a própria tranquilidade me parece escapar, quando conjecturo se um bêbado pode estar mais ‘tranquilo’ do que um ‘sóbrio’, enquanto os nossos dias estão contatos em relação ao encontro com o nosso destino inescapável, o fim da vida...
Conjecturo também, e sempre, sobre a ilusão do conceito de 'alma', e sua fragilidade diante da experiência comum... Anotem, o nosso comportamento é regido pelo nosso cérebro, e materialmente, e não existe outra fonte de comando... Isso fica mais do que evidente quando ocorre um dano cerebral, um derrame, um tumor... Hoje, com o cérebro amplamente mapeado, sabemos que determinado dano cerebral pode causar a perda da fala, ou da visão, ou de parte dos movimentos, etc... A morte significa então, nada mais e nada menos do que a parada completa das funções cerebrais... Simples assim...
Quando um dano parcial ocorre, podemos perder todas as nossas caraterísticas de personalidade, e esquecer completamente dos rostos de nossos entes queridos... E apenas uma região foi danificada, e afinal continuamos vivos... Onde está a 'alma'??? Por que continuamos vivos, mas nos comportamos de forma totalmente diferente??? E ainda estamos vivos, e a ‘alma’ ainda pode se manifestar... Se mais danos ocorrem, menos resquícios de quem somos, até que toda a coisa se perde quando morremos... E pronto...
Etimologicamente a palavra alma tem a sua origem no hebraico, e significa ‘vida’, ou ‘o que anima’, estando pois diretamente ligada à palavra ou conceito de ‘anima’ no latim, e consequentemente com conceito de ‘spiritus’, também no latim; que significa ‘respiração’ ou ‘sopro de vida’... O termo também pode referir-se à ‘coragem’, ‘vigor’, e finalmente fazer referência à sua raiz no idioma Proto-Indo-Europeu, cujo sentido é ‘soprar’... Na Vulgata, a palavra em Latim é traduzida a partir do grego ‘pneuma’, e está em oposição ao termo ‘anima’, sendo também traduzido por ‘psykhē’, ou psique, que significa ‘respiração’, ‘sopro’, ou CONSCIÊNCIA, MENTE, ‘ego’, eu, ‘self’...
É curioso notar que uma palavra que originalmente estave relacionada com fenômenos físicos, com a VIDA, respiração, consciência, assume contornos místicos e sobrenaturais... Olhando em retrospecto, podemos entender que os nossos antepassados possam ter mal-entendido o conceito, mas em 2013, diante de toda a demonstração sobre a expectativa de vida, e de que os eventos relacionados com a hora de morrer estão diretamente relacionados com a ciência médica - ou com a sua ausência -, como seguir vivendo em profundo engano??? Por que no Albert Einstein e no Sírio Libanês mais milagres acontecem, e as ‘almas’ dos clientes destes hospitais levam mais tempo para ‘desencarnar’??? De Platão a Descartes, de Kant a Chopra, uma trajetória de sofisticação de um ERRO...
Em nossos dias, a palavra ‘alma’ ou ‘espírito’, costuma ser usada em dois contextos, metafísico ou metafórico, mas nunca é respeitada em sua etimologia... E ínsito em dizer aos que vivem imersos na fantasia da vida ‘após a vida’:
Tranquilitas non Llibertas... Tranquilitas non Veritas...
Carlos Sherman
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