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segunda-feira, 8 de abril de 2013

O Passado é uma terra estrangeira...



"Se o passado é uma terra estrangeira, é terra de uma violência horripilante. É fácil esquecer como a vida era perigosa, como a brutalidade já esteve profundamente urdida na malha do cotidiano. A memória cultural pacifica o passado e nos deixa pálidos suvenires  cujas origens sangrentas desbotaram. A mulher que usa o pingente de cruz raramente reflete que esse instrumento de tortura foi uma punição comum no mundo antigo. Quem reclama do flagelo do trânsito não se lembra que esse era o nome do látego que corta a carne dos escravos. Vivemos cercados pelos sinais da perversidade do modo de vida de nossos antepassados, mas quase não nos apercebemos deles. Assim como viajar amplia nossos horizontes mentais, uma excursão pelos significados literais da nossa herança cultural pode nos acordar para o quanto as coisas eram feitas de outro modo no passado."" (Pag. 29)

"Quando nos apercebemos do declínio da violência, passamos a ver o mundo de forma diferente. O passado parece menos inocentes, o presente, menos sinistro. Começamos a apreciar as pequenas dádivas da coexistência que para nossos ancestrais pareceriam utópicas: a família inter-racial brincando no parque, o humorista que conta uma piada sobre o comandante em chefe, os países que discretamente recuam em uma crise em vez de partir para a guerra. A mudança não é em direção ao comodismo: desfrutamos a paz que encontramos hoje porque as pessoas de gerações passadas se horrorizaram com a violência em sua época e se empenharam em reduzi-la; por isso, devemos trabalhar para reduzir a violência que ainda resta em nosso tempo. De fato, é a constatação do declínio da violência o melhor testemunho de que tais esforços valem à pena.  A desumanidade do homem há muito tempo é alvo de moralização. Com o conhecimento de que alguma coisa a reduziu, também podemos tratá-la como uma questão de causa e efeito. Em vez de perguntar 'Por que existe guerra?', poderíamos indagar 'Por que existe paz?'. Nossa obsessão poderia ser não só por aquilo que andamos fazendo de errado, mas também por aquilo que estamos fazendo certo. Porque estamos fazendo algo certo, e seria bom saber exatamente o quê." (Pag. 26)                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                

"Finalmente, preciso mostrar como a nossa história influenciou a nossa psicologia. Nos assuntos humanos, cada coisa está ligada a todo o resto, e isso vale especialmente para a violência. Nas mais diversas épocas e lugares, as sociedades mais pacíficas também tendem a ser as mais ricas, mais sadias, mais bem educadas, mas bem governadas, mais respeitosas com as mulheres e mais propensas a se ocupar do comércio. Não é fácil discernir quais dessas felizes características deram a partida no círculo virtuoso e quias vieram de carona, e é tentador nos resignarmos a circularidades insatisfatórias, como dizer que a violência declinou porque a cultura se tornou menos violenta." (Pag. 22)

"A primeira [tendência] em escala milenar, foi a transição da anarquia das sociedades caçadoras, coletoras e horticultoras, nas quais a nossa espécie atravessou a maior parte de sua história evolutiva, para as primeiras civilizações agrícolas com cidades e governos, inciadas por volta de 5 mil anos atrás. Com essa mudança veio uma redução nos ataques e rixas crônicas que caracterizavam                               a vida em um estado natural e uma diminuição de aproximadamente  cinco vezes nas taxas de mortes violentas. Chamo de Processo de Pacificação essa imposição da paz." (Pag. 23)

"A segunda transição abrangeu mais de meio milênio e está bem documentada na Europa. Entre o final da Idade Média e o século XX, os países europeus tiveram um declínio de dez a vinte vezes em suas taxas de homicídios. Em seu clássico livro 'O Processo Civilizador', o sociólogo Norbert Elias atribuiu esse surpreendente declínio à consolidação de uma colcha de retalhos de territórios feudais em grandes reinos com autoridade centralizada e uma infraestrutura de comércio. Em reconhecimento a Elias, refiro-me a essa tendência como Processo Civilizador." (Pag. 23)

"A terceira transição ocorreu na escala secular e teve início na época da Idade da razão e do Iluminismo europeu nos séculos XVII e XVIII (embora tenha antecedentes na Grécia Clássica e na Renascença, e paralelos em outras partes do mundo). Esse foi o momento dos primeiros movimentos organizados para abolir formas de violência socialmente sancionadas como o despotismo, a escravidão, o duelo, a tortura judicial, a execução supersticiosa, as punições sádicas, e a crueldade com animais, e foi também a época dos primeiros frêmitos do pacifismo sistemático. Alguns historiadores chamam esta transição de Revolução Humanitária." (Pag. 23)

"Finalmente, a era pós-guerra, inaugurada simbolicamente pela Declaração Universal dos Direitos Humanos em 1948, testemunhou uma crescente repulsa pela agressão em escalas menores, por exemplo, na violência contra minorias étnicas, mulheres, crianças, homossexuais e animais. Estes desdobramentos do conceito de direitos humanos - direitos civis, direitos das mulheres, direto das crianças, direito dos homossexuais e direitos dos animais - vêm sendo defendidos em uma cascata de movimentos a partir de fins dos anos 1950 até nossos dias, eu os chamei de Revolução dos Direitos." (Pag. 24)

"Muitas pessoas acreditam implicitamente na Teoria Hidráulica da Violência, segundo a qual os seres humanos nutrem internamente um impulso de agressão (um instinto de morte ou sede de sangue), que se acumula e precisa ser descarregado periodicamente. Nada poderia estar mais distante da visão científica contemporânea da psicologia da violência." (Pag. 24)

Excertos da obra-prima "Os Anjos Bons de Nossa Natureza - Porque a Violência Diminuiu" de Steven Pinker

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