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sábado, 9 de fevereiro de 2013

O crivo da lucidez


Em um debate sobre o direito à homoafetividade e o direito às cotas raciais:

(..) Quando estamos vivendo um surto ilusório, tratamos de corroborar ainda mais as nossas 'crenças', e defender as bandeiras que já estão desfraldadas; ao invés de optar pelo crivo da lucidez, na tentativa cética - logo ética - de refutar as nossas próprias certezas em favor da verdade... Logo abaixo da superfície de bate papos como este, existem temas e conceitos profundos, que muitas vezes, e em meio á eloquência 'torcedora', nem sequer tangenciamos... Coloquem os assuntos em perspetiva, primeiro semântica, depois conceitual, antes de bramir aforismos ou 'desaforismos'...

Na Psicologia, a defesa 'aparentemente racional' e certamente seletiva, assim como tendenciosa de ilusões - às quais aderimos por motivos torpes -, é conhecida como 'viés' ou 'desvio' de confirmação; sendo este um grande entrave para o desenvolvimento de bons debates, e para a superação de grandes problemas...

"(..) a compreensão humana, após adotada uma opinião, coleciona quaisquer instâncias que a confirmem, e ainda que as instâncias contrárias possam ser muito mais numerosas e influentes, ela não as percebe, ou então as rejeita, de modo que sua opinião permaneça inabalada" - Francis Bacon (1620)

Existe uma questão crucial, e muito mal entendida de forma geral, que confunde como as coisas 'são' com como 'deveriam ser'... Através da Ciência entendemos como as coisas 'são'... E através de nossos acordos sociais - leis, diretrizes - trataremos de conjurar aquilo que 'gostaríamos que fosse', à luz de como 'são' de fato... Existem dois desafios aí, primeiramente saber como 'são', ou seja, como funciona o comportamento humano e coletivo, e estamos avançando a passos largos sobre esta questão... Porém, e a partir do conhecimento sobre a realidade, precisaremos concordar sobre 'como deveriam ser', para acionar os devidos mecanismos sociais e políticos nesta direção... E este processo é muito mais complexo, tortuoso e dificultoso... E precisamos estar livres do maniqueísmo bíblico, do falso moralismo, e do animismo conspiracionista, se quisermos realmente contribuir em questões delicadas sobre 'direitos e deveres' civis e individuais...

O que 'é' ser homoafetivo, ou possuir mais melanina na pele??? E se faz mister evitar a sedução do 'bom selvagem' ou da 'boa minoria', afinal podemos perfeitamente entender a condição da 'minoria' gay como pertinente, e discordar da questão de cotas raciais que favorece a 'minoria' que possui mais melanina na pele - mesmo que este tema de 'cor da pele' seja pra lá de subjetivo... Podemos entender a posição de um grupo que busca a igualdade, e não reconhecer a condição de outro que busca retratação - e consequentemente foro privilegiado de direito...

Portanto, entender e apoiar o direito igualitário de cidadãos que sentem afeto por outros do mesmo gênero, implica necessariamente em apoiar o direito à realização pessoal de todo e qualquer cidadão, e em igualdade de condições - não de resultados, posto que somos diferentes... Ser gay não é uma simples escolha, e na maioria dos casos decorre de impulsão genética, mas mesmo que 100% dos casos decorressem de decisão pessoal - o que não corresponde à realidade -, qual seria o problema em permitir que um ser humano compartilhasse a sua intimidade com outro ser humano do mesmo gênero? Quem pode impedir isso? Com que argumentação, com que direito? Não gosta do homossexualismo? Então é simples, não seja gay...

Mas isso não implica, em absoluto, e na verdade contradiz, a questão de evocar 'retração histórica' através de vantagens e foro privilegiado de direito para  qualquer grupo de interesse, sejam eles também uma minoria, ou não... Isso remete à questões delicadas... Primeiro, estamos afrontando a igualdade de direitos, o que é muito sério... Depois, estamos argumentando com uma 'retratação histórica', subjetiva e confusa... E finalmente, devemos considerar se a nossa constituição prevê em seu bojo, esta figura 'retratatória'... A justiça deve ser rigorosamente a mesma para todos... Isso implica portanto em estar frontalmente contra benefícios em favor de um grupo, e - por exemplo - em relação  ao ingresso de uns com mais privilégios do que outros em Universidades Públicas...

Apesar do modismo, a questão homoafetiva nada tem a ver com a questão de cotas raciais... Os imperativos são rigorosamente diferentes, embora muitos procurem confundir as duas questões ou contrapô-las...

Tenho dito... 

Carlos Sherman

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