Sábado, 13 de Outubro de 2012
Carta ao Internauta
Por Thales Vianna Coutinho - Psicólogo e Escritor
Boa tarde,
Fiquei algumas semanas sem postar nenhum novo conteúdo neste blog, mas algo me fez voltar a escrever aqui. Ao longo do ano, o grupo "Fronteiras do Conhecimento" proporcionou aos brasileiros a chance de conferir ao vivo grandes palestras de grandes intelectuais do mundo todo. Neste ano, meu destaque foi para a presença do cético Michael Shermer e do filósofo da ciência Michel Onfray.
Infelizmente as conferências foram realizadas em São Paulo e, em virtude de outros compromissos não pude comparecer. Porém, felizmente, este mundo da internet nos permite formar vínculos saudáveis de amizade com pessoas que seriam nossas desconhecidas, de outro modo. Uma das amizades de que tenho mais orgulho é a que construí com Carlos Sherman, já citado em posts anteriores nesse mesmo blog. Como intelectual e como paulistano, Sherman consegue gozar de todas as melhores atrações desta capital não-oficial do Brasil. Assim, por intermédio dele, eu consigo ficar sabendo sobre o desenvolvimento desses eventos culturais e científicos.
Com relação à palestra de Michael Shermer, não houve nada de extraordinário e que chamasse a atenção, além da qualidade de seus argumentos, porém, uma coisa diferente aconteceu na palestra dessa semana, em que o Brasil recebeu o grande filósofo da ciência francês e crítico ferrenho da psicanálise, Michel Onfray.
Eu posso dizer que já sabia que algo vergonhoso aconteceria, pois num país em que a psicologia e a psiquiatria (e mesmo as artes) ainda são regidas pelos pressupostos falhos de Freud e seus "discípulos", muito provavelmente haveria algum psicanalista na sala e que ia esbanjar "pulsão de morte". Mas, o que de fato fiquei sabendo por intermédio desse meu amigo superou todas as minhas expectativas catastróficas (quase todas, porque cheguei a pensar - por breves momentos, confesso - que os psicanalistas mais extremos explodiriam o salão, matando todo mundo, inclusive o Onfray).
Michel Onfray
Abaixo coloco para você a resenha na íntegra, que meu amigo me escreveu e intitulou gentilmente de "Carta a Thales". Confiram o texto, publicado no blog dele "ProÉtica", e depois minhas considerações sobre esse acontecimento deprimente.
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Prezado amigo [Thales], boa noite... Na última quarta - 10 de Outubro - tive o privilégio de assistir - ao lado de minha esposa e de uma de minhas filhas, enquanto o nosso cachorrinho aguardava no hotel -, ao vivo e à cores, em viva voz, ao impagável Michel Onfray; um dos maiores pensadores e intelectuais de nosso tempo...Gostaria de dividir com você a força dos argumentos deste momento, mas o tema que me trás à sua página é o 'vexame da corporação psicanalista', uma vergonhosa e covarde reação a Onfray... Aos punhados, grupos de freudianos xiitas se levantavam, em meio à palestra, sem respeito pelo palestrante, e menos ainda com a platéia - daqueles que teimavam em escutar seus argumentos... Gritavam, vaiavam e diziam 'como vocês permitem isso?'... Um show de péssima ou nenhuma educação, despreparo e CRENDICE... Mas o que seria ISSO? ISSO o quê? Um livre pensador demonstrando o que concluiu após extensa e profunda análise de evidências, provas e fatos??? Sim, vamos e devemos permitir que vozes livres e bem embasadas expressem a verdade... Doa a quem doer, e doa no bolso de quem doer...Pude agradecer pessoalmente a Onfray, meu amigo, e dizer em pobre francês: l'arrivée de la cavalerie... Obrigado Onfray, exalto a sua integridade intelectual... O mundo é movido por homens como você... Sobre Freud, devo dizer que foi exumado e teve o seu diploma caçado... Mas isso na realidade já faz algum tempo... Sobre a Psicanálise, trata-se de uma espécie de Alquimia, que cedeu lugar à Química - ou Bioquímica da Neurociência e da Genética... A Química não é pois a evolução da Alquimia, é a sua superação cabal... Não existem vestígios da Alquimia na Química, assim como - analogamente - não existem vestígios da Psicanálise na Neurociência Cognitiva... Sobre deus, Nietzsche e outros fizeram um bom trabalho selando a morte de tal conceito, e exorcizando os seus fantasmas... Sobre os estelionatários que lucram com a fé em deuses, freuds, jungs, xamãs, espíritos, OVNIs, etc, recomendo a aplicação severa das leis em vigor, ou internação imediata... Estelionato é crime... Brincar com a esperança das pessoas deveria ser inafiançável... Triste destino...Aos amigos de Fronteiras do Pensamento, o meu mais profundo respeito... Um evento sem igual em Terras Brasilis... Vocês também fazem parte da cavalaria... Palestrantes ilustres - por mérito -, organização primorosa, execução impecável... Estarei com vocês em 2013... Todos os aspectos do evento, de A a Z, merecem a minha nota máxima...
Carlos Sherman
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Ao longo desse ano, investi incisivamente numa luta para mostrar às pessoas que a Psicologia é uma ciência, e como tal, se norteia com base em evidências, e essas evidências são resultados de pesquisas científicas com um método controlado, analisadas estatisticamente, e publicados em revistas com grande fator de impacto, para serem apreciados e replicados por outros grupos, com o objetivo de fortificar ou destruir aqueles achados, e assim consolidar uma posição diante de alguma coisa.
Por isso me envolvi na realização de palestras sobre temas mais variados, ricas em referências, e tomando o cuidado para mostrar os próprios resultados dos artigos (copiando e colando os gráficos, tabelas e esquemas originais dos artigos nos slides). Meu objetivo era demonstrar às pessoas em geral que aquilo que eu estava dizendo tinha sido de fato analisado e comprovado por investigações sérias. Com isso, pensei, conseguiria aos poucos mudar a mentalidade das pessoas e fazê-las enxergar a ciência do comportamento como uma ciência real.
Além disso, paralelamente, eu ia tratando da "Psicologia Baseada em Evidências", com textos e comentários destinados aos psicólogos e psiquiatras, demonstrando, primeiramente, que - em contextos clínicos - apenas a Terapia Cognitivo-Comportamental e a Neuropsicologia apresentam evidências de validade, enquanto que todas as outras abordagens - INCLUSIVE A PSICANÁLISE - não possuem nenhuma investigação que respeite o método de constatação científica da efetividade de uma prática clínica. Ou seja, se não for "Terapia Cognitivo-Comportamental" ou "Neuropsicologia", o trabalho não surte efeito algum (exceto para os profissionais, que embolsam o dinheiro dos clientes... e eles não cobram barato!).
E qual foi o resultado parcial desses 10 meses de luta? Desgaste e inimizades. Minhas palestras acabaram não dando certo. Um público cada vez menor de pessoas, e poucos acessos aos vídeos publicados em meu canal do youtube.
Na outra investida, de meus "colegas" de profissão, ao invés de me questionarem sobre diferentes pontos para que eu pudesse esclarecer melhor minha crítica, me atacaram severamente, desmoralizando, difamando, em suma, desrespeitando a mim (e mesmo às pessoas próximas a mim). Poucos foram aqueles que ficaram do lado da ciência, e ainda menor foi o número de pessoas que declarou aos demais que ficaria do lado das evidências (isso porque muitos me agradeciam pela frente, e me desmoralizavam pelas costas).
Leia AQUI o texto mais importante que escrevi sobre essa questão da ausência de evidências para muitas práticas de psicologia clínica.
Mas esse não é um texto sobre mim. É um texto sobre o evento vexaminoso que meu amigo relatou. Escrevi o que escrevi só para mostrar que entendo um pouco do que deve ter passado pela cabeça de Onfray quando percebeu a confusão. É horrível. Uma sensação que mistura injustiça, raiva e pena. Isso porque você se sente injustiçado por estar contribuindo para o crescimento de uma área do conhecimento, enquanto que os outros te tratam a base de paus e pedras. Raiva, porque aqueles que te atacam não estão ferindo apenas a você, mas a todos os demais que recorrem aos seus "serviços" falsos. Pena, porque ai você vê a fragilidade intelectual de muitos seres humanos e a baixíssima capacidade de resiliência de alguns, no sentido de rever toda sua concepção e mudá-la diante do paradigma atual.
Nesse momento, eu gosto de ler o trecho em que Richard Dawkins descreve o curioso caso que aconteceu quando ele ainda era um estudante de graduação na Universidade de Oxford. Segue abaixo o trecho, disponível no livro "Deus: Um Delírio" (2007).
Isso acontece. Já contei a história de um integrante respeitado do Departamento de Zoologia de Oxford, quando eu fazia a graduação. Por anos, ele tinha acreditado apaixonadamente, e ensinado, que o Complexo de Golgi (uma estrutura microscópica no interior da célula) não existia: era uma fabricação, uma ilusão. Era costume do departamento ouvir, toda tarde de segunda-feira, uma palestra de um convidado sobre alguma pesquisa. Uma segunda-feira, o visitante foi o biólogo celular americano que apresentou evidências convincentes de que o Complexo de Golgi realmente existia. No fim da palestra, o senhor de Oxford foi até a frente da sala, apertou a mão do americano e disse, apaixonadamente: "Caro companheiro, gostaria de agradecer-lhe. Eu estava errado por todos esses quinze anos." Aplaudimos até ficar com as mãos vermelhas. Nenhum fundamentalista jamais diria isso. Na prática, nem todos os cientistas diriam. Mas todos os cientistas pelo menos declaram que é o ideal. (p. 364)
Richard Dawkins
É isso que está acontecendo. A psicologia no Brasil está sendo dominada por fundamentalistas (psicanalistas, sócio-históricos...), e essas pessoas não são humildes ao ponto de reconhecer que estão erradas e se adaptarem, ou pode ser que sejam, de fato, cognitivamente incapazes de realizar esse processo de mudança. Em resposta: atacam Onfray, xingam o Thales, e agridem qualquer outro que se manifestar com base em evidências, para destronar todas essas formas de pseudopsicologias.
Falha-lhes a lógica até no momento de defender o próprio ponto de vista. Pois recorrem sempre à falácia Ad hominem, atacando a pessoa ao invés das ideias da pessoa. Como se o fato de você xingar e desmoralizar alguém, fizesse com que os argumentos dela deixassem de ser verdadeiros. No fundo, esta é uma estratégia infantil de tentar moldar o mundo ao próprio desejo, ao invés de se adaptar a ele.
Mas ai vai um recado para esse povo fundamentalista. Assim como Onfray, eu também não vou desistir. Dedicarei-me cada vez mais para tornar minhas palestras chamativas e prazerosas (sem perder a veia científica), e continuarei escrevendo textos, fazendo comentários, participando de discussões e realizando vídeos, sempre com o objetivo de mostrar à população que a Psicologia não é brincadeira, mas sim séria, digna, e bela!
Com cumprimentos,
Thales Vianna Coutinho
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