CUBA - O Drama de um povo que não tem papel higiênico
Por 'ENCOSTO'
A falta crônica de papel higiênico fez com que os cubanos encontrassem uma utilidade sanitária para as publicações comunistas.
Desde seu primeiro momento, a revolução cubana promete "acabar com a crise de abastecimento". Em vão. Exemplo notório do fiasco das economias comunistas, a ilha nunca conseguiu ser um país normal, no qual se encontra no comércio o suficiente para as necessidades da vida civilizada. Escolados por uma vida de filas e racionamentos, os cubanos aprenderam que tudo o que o governo diz deve ser entendido ao avesso. Quando Fidel Castro deu a "boa notícia" de que não iria faltar leite para as crianças, a mensagem real era que não haveria leite para ninguém, exceto para os menores de 7 anos. No mês passado, quando o governo anunciou a chegada para o fim do ano de um carregamento de papel higiênico importado, os cubanos entenderam que não há solução à vista para a falta crônica do produto sanitário básico.
Duas décadas sem papel higiênico ajudaram os cubanos a encontrar uma utilidade, digamos, escatológica para o jornal oficial do Partido Comunista, o Granma, e para o recém-lançado Dicionário de Pensamentos de Fidel Castro, um livrão de mais de 300 páginas muito apreciado por suas folhas finas e macias. O uso sanitário das publicações do governo é tão difundido que já deu origem a uma versão bizarra da lei da oferta e da procura: no mercado paralelo, o jornal da semana passada é vendido pelo mesmo preço que o da edição do dia. Na verdade, não importa a data da publicação se a finalidade for substituir o papel higiênico. Favorito para o asseio dos cubanos, o Granma tem oito páginas (dezesseis às sextas-feiras) e 400.000 exemplares diários. Seus artigos, pura ladainha comunista, são uma enorme chatice. As notícias, distorcidas pela propaganda oficial, não têm credibilidade. Mas o diário é bastante valorizado pela qualidade absorvente do papel em que é impresso e também pelas cores firmes, que não mancham o traseiro de seus, por assim dizer, leitores.
O Granma é ansiosamente esperado por uma fila que se forma a partir das 6 horas da manhã. A maioria é de aposentados, que complementam a pensão minguada com o comércio de jornais para uso sanitário. Nas ruas de Havana, cada exemplar é revendido por cinco vezes seu preço na banca. Na falta do Granma, os revendedores oferecem exemplares do Juventud Rebelde (o papel é igual ao do Granma, mas a tinta azul usada na sua impressão desperta suspeitas). Em situação de aperto, há quem utilize o Trabajadores. O semanário sindical é, contudo, desprezado devido a seu papel áspero e à tinta laranja que deixa marcas reveladoras nas mãos e nas roupas das pessoas.
Até mesmo na redação do Granma, os jornalistas e demais funcionários usam as sobras de papel da gráfica. "Meus amigos sempre faziam piada, dizendo que se lembravam de mim quando iam ao banheiro", disse a VEJA o jornalista cubano YPP, que trabalhou no Granma até 2006. Por temor de represálias, ele pediu para ser identificado apenas pelas iniciais. Autor de uma matéria na qual fazia críticas veladas ao regime, YPP recebeu uma punição típica das ditaduras comunistas: foi proibido de trabalhar não apenas na imprensa, mas em qualquer lugar. Hoje vivendo no exterior, ele lembra como sua avó cortava cada folha do Granma em quatro pedaços e deixava uma pilha no banheiro para os netos usarem.
Uma única fábrica produz papel higiênico em Cuba, mas em quantidade insuficiente para a demanda. Até recentemente o produto podia ser encontrado nas lojas especiais, nas quais o preço é cotado em dólar. Apesar de ele custar caro demais para o bolso de um trabalhador, muitas famílias mantinham em casa pelo menos um rolo, para uso das visitas. Mas neste ano a maioria das lojas especiais fechou por falta de mercadoria. Papel sanitário é apenas um item da lista de produtos de higiene escassos em Cuba. Por falta de sabonete, os cubanos tomam banho com sabão de coco. As mulheres cortam pedaços de toalha para servir de absorvente. Não há expectativa de melhora. Nos primeiros três meses do ano, o turismo caiu 13% e a mesada venezuelana baixou para a metade. A ineficiente produção agrícola obriga o país a importar 80% dos alimentos. A produção industrial caiu 50% desde 1989 e o PIB é agora 35% menor. Para completar, o presidente Raúl Castro mandou reduzir o consumo de eletricidade nas fábricas em 12%. "Nenhum país do mundo consegue crescer com um corte de eletricidade desse tamanho", disse a VEJA o economista cubano Oscar Espinosa Chepe, de Havana. Cuba não é uma ilha. É um barco afundando com água por todos os lados. A boa notícia? Não vai faltar jornal.
Onde houver fé, levarei a dúvida!
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