O
universo não precisa de deus
As idades do universo -
Parte 8
Por: PETER MOON
É deus! É assim mesmo como
se lê no título: em letras minúsculas. Por que eu deveria escrever o
substantivo “deus” com um dê maiúsculo, se para mim tal entidade não existe?
Por que diferenciar o “deus” único com a sagração de uma maiúscula se, para
mim, ele em nada se diferencia dos deuses do panteão greco-romano, dos santos
da umbanda e do candomblé, das divindades animistas adoradas pelos antigos
egípcios ou por tribos amazônicas e africanas nossas contemporâneas?
Sou ateu. Sou agnóstico.
Escolha o nome que preferir. Não sou chato. Nunca procurei vender o meu peixe e
convencer ninguém a abandonar as suas crenças e a sua fé. É por isso que me
incomoda a gana evangelizadora dos tementes a deus. Quantas vezes eu fui obrigado
a atender o interfone em pleno sábado à tarde para ouvir a voz de alguma
senhora no portão de casa dizendo trazer uma mensagem de conforto ou uma
palavra de fé? “Não, obrigado. Não estamos interessados. Nesta casa somos todos
ateus”, costumo responder.
Intolerante, eu? Sim, eu
sei, não precisaria ser grosso. Mas por acaso sou eu quem toca a campainha
alheia com o firme propósito de mudar as convicções íntimas do outro? Ser
grosso é um atenuante eficaz para afugentar missionários do meu portão, evitando
que comecem com a sua arenga evangelizadora. Se eles crêem num mundo assombrado
pelo demônio, por que eu não deveria fazer uso da sua crença no tinhoso para
enxotá-los da minha soleira?
Argumentar significaria
prolongar a conversa e a perda de tempo. E o tempo é o bem mais escasso da
vida. Começa-se a perdê-lo no instante em que se nasce. A morte, seguida pelo
esquecimento, é o denominador comum da vida. Por que esta é uma ideia tão
desconfortável?
A
vida precisa de um sentido?
O universo tem 13,7 bilhões
de anos. A Via Láctea tem 13 bilhões de anos. O Sol e a Terra têm 4,6 bilhões
de anos. Logo depois disso, tão logo a Terra teve condições de abrigar vida,
esta evoluiu e prosperou. As evidências mais antigas de vida têm 3,8 bilhões de
anos. Por quatro quintos de sua história, a vida na Terra se manteve invisível.
Limitou-se ao plano bacteriano, unicelular. Seres complexos, pluricelulares, os
ancestrais dos animais e das plantas, evoluíram há, talvez, 800 milhões de
anos.
A vida saiu dos mares para
povoar os continentes e os céus há apenas 500 milhões de anos. A vida em terra
firme é 2.500 vezes mais antiga do que o Homo sapiens. O homem anatomicamente
moderno evoluiu na África há 200 mil anos. Já o homem cognitivamente moderno é
bem mais recente. Segundo evidências arqueológicas, a nossa habilidade de
reproduzir a natureza em pinturas rupestres, a nossa capacidade de entalhar
símbolos e figuras decorativas em osso e pedra não tem mais do que 70 mil anos.
Há 70 mil anos o cérebro
humano deve ter assumido a sua capacidade plena, armando-nos com a melhor das
ferramentas e a pior arma que qualquer predador desejaria: a consciência. Com
ela brotaram nossos sonhos, nossas angústias, nossos desejos, nossa
inconformidade com a condição humana e nossa busca por um sentido para a vida.
Segundo os biólogos
evolutivos, a fé pode ter surgido como uma invenção intelectual que fornecia
sentido à vida num mundo infestado por feras e açoitado por desastres naturais.
Na luta pela sobrevivência, a evolução da fé e do seu subproduto, a religião,
podem ter servido para amalgamar o tecido social, congregando bandos de
caçadores indefesos em aldeias e em tribos.
Pertencer a uma tribo era
uma vantagem adaptativa considerável. Os homens caçavam e guerreavam em grupo.
As mulheres, também em grupo, colhiam frutas e raízes, cozinhavam, teciam,
pariam e cuidavam dos filhos. Quando ocorriam estiagens prolongadas, as chances
de sobrevivência eram maiores entre os membros da tribo do que entre os
caçadores de bandos isolados. Em épocas de fartura, a população da tribo
aumentava. A necessidade de encontrar conforto no sobrenatural, também.
Uma
solução a 99%
Até o século XVI, as
explicações para os mistérios da natureza e as respostas para as nossas dúvidas
existenciais eram fornecidas com exclusividade pelas diversas religiões, seus
dogmas e mitos. Aí, há 400 anos, veio Copérnico. Este foi seguido por Galileo,
e depois por Kepler, e então por Newton. A obra destes gigantes tomou das mãos
do divino o poder de explicar a natureza.
Hoje sabemos como e quando o
universo surgiu. Desvendamos os segredos da vida. Fomos à Lua. Dividimos o
átomo. Sabemos que lá longe, o espaço escuro está coalhado por centenas de
bilhões de galáxias, cada uma com bilhões de estrelas, em torno das quais há
bilhões de planetas.
Se a brevidade com que a
vida fincou raízes na Terra é um parâmetro que pode ser generalizado, então o
universo está infestado de vida – não necessariamente de vida inteligente.
Novamente, se as evidências terrestres podem servir de parâmetro, a vida
inteligente não seria a norma, mas uma exceção à regra. Por que a inteligência
evoluiu na espécie humana há 200 mil anos e não em alguma salamandra que viveu
há 270 milhões de anos, no período Permiano, quando a biosfera era tão complexa
quanto a atual?
Na história da vida na
Terra, a evolução da consciência é um acidente de percurso. Neste sentido, nós
somos privilegiados e vivemos num momento mais do que especial. Não vivemos
mais num mundo assombrado pelo demônio. Graças à ciência, o bicho homem descobriu
enfim qual é o seu lugar no cosmo. Se em algum momento nos 4,5 bilhões de anos
deste planeta existiram deuses, então eles somos nós.
Ainda assim, entra ano e sai
ano, em qualquer região do planeta, em sociedades ricas e também nas menos
desenvolvidas, toda a vez que se faz uma pesquisa para tentar aferir o grau de
religiosidade de determinado país ou extrato da sociedade, o resultado é sempre
o mesmo. Repetidamente, 99% dos entrevistados dizem ter alguma forma de fé ou
de espiritualidade, afirmam pertencer a uma religião formal, crer num deus ou
em uma entidade criadora. Eles creem na vida eterna, na vida após a morte, em
reencarnações, no sobrenatural, em anjos e em demônios.
Consistentemente, só 1% dos
entrevistados afirma não ter fé nem religião.
São os ateus, os agnósticos,
dê o nome que preferir. Muito prazer.
Carlos Sherman
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