Sócrates
Paradoxalmente, Sócrates, um
importante crítico dos sofistas, morre perseguido por suas ideias pouco
‘religiosas’, e notadamente ‘sofistas’... Mas esta é outra Estória na
História... Quando induzido a retratar-se por questionar o Panteão de Deuses
Gregos, fazendo um acordo, e jurando não mais ensinar, Sócrates, fiel às suas
convicções, escolhe suas palavras e seu destino...
"Eu predigo-vos
portanto, a vós juízes, que me fazeis morrer, que tereis de sofrer, logo após a
minha morte, um castigo muito mais penoso, por Zeus, que aquele que me infligis
matando-me. Acabais de condenar-me na esperança de ficardes livres de dar contas
da vossas vida; ora é exatamente o contrário que vos acontecerá, asseguro-vos
(...) Pois se vós pensardes que matando as pessoas, impedireis que vos reprovem
por viverem mal, estais em erro. Esta forma de se desembaraçarem daqueles que
criticam não é nem muito eficaz nem muito honrosa."
Sócrates
O seu célebre aforismo, ecoa
no Panteão dos Grandes Homens:
Só sei que nada sei...
Sócrates morre por suas
ideias... E fundamenta, mais do que tudo, a Integridade Intelectual... A
importância de Sócrates, no entanto, transcende à nobreza de sua morte... A
História do Pensamento, na Antiguidade Clássica, pode ser dividida em
Pré-Socrática e Socrática...
Sócrates nasceu em Atenas, entre
469 e 470 a.C.; e viveu e morreu em Atenas, em 399
a.C., com 70 ou 71 anos... Sócrates dizia que sua sabedoria era limitada à sua
própria ignorância... Segundo ele, a verdade, escondida em cada um de nós, só é
visível aos olhos da razão... Ele acreditava que os erros são consequência da
ignorância humana... Nunca se autoproclamou sábio... A intenção de Sócrates era
levar as pessoas a conhecerem seus desconhecimentos...
Conhece-te a ti mesmo...
Nosce te ipsum...
Este aforismo grego, segundo
a tradição, estaria inscrito nos pórticos do Oráculo de Delfos, originalmente
de Pítia, em Delfos, na Antiga Grécia... A frase é atribuída à primeira ‘pitonisa’
deste oráculo, Femonoe... Esta é uma pedra-angular da filosofia de Sócrates e
do seu método, a maiêutica... Tudo o que sabemos de Sócrates decorre dos relatos
de Platão, e Xenofonte... O oráculo do templo teria proclamado Sócrates o homem
mais sábio na Grécia, ao que Sócrates terá respondido com a célebre frase:
"Só sei que nada sei"...
"Conhece-te a ti
mesmo", nos remeta à reflexão e a problematização dos conceitos morais e
culturais, e os dogmas e preconceitos se tornam evidentes... Não reconheço no
pensamento de Sócrates, suficiente contraposição às ideias sofista a ponto de torna-los
inimigos, ou oponentes... Antes percebo uma mera disputa de espaços,
amplificada e confundida, pelos interesses de Platão... Nunca saberemos ao
certo, mas podemos conjecturar...
O estudo da virtude se
inicia com Sócrates, para quem a virtude é o fim da atividade humana e se
identifica com o bem que convém à natureza humana... O homem pelo homem,
servindo e sendo útil ao homem... Sócrates acreditava que o melhor modo para as
pessoas viverem era se concentrando no próprio desenvolvimento ao invés de
buscar a riqueza material...
Convidava outros a se
concentrarem na amizade e em um sentido de comunidade, pois acreditava que esse
era o melhor modo de se crescer como uma população... Suas ações são provas
disso: ao fim de sua vida, aceitou sua sentença de morte quando todos
acreditavam que fugiria de Atenas, pois acreditava que não podia fugir de sua
comunidade... Acreditava que os seres humanos possuíam certas virtudes, tanto
filosóficas quanto intelectuais... Considerava as virtudes o bem mais
precioso...
Paradoxos Socráticos:
"A virtude é um
conhecimento"...
"Ninguém
faz o mal voluntariamente"...
"As
virtudes constituem uma unidade"...
"É preferível sofrer
injustiça do que cometê-la"
"Jamais se deve
responder à injustiça pela injustiça, nem fazer mal a outrem, nem mesmo àquele
que nos fez mal"
Notem que Sócrates questiona
o livre-arbítrio, e suas ideias precedem a Cristo em 500 anos, e de forma muito
mais brilhante, além de original...
Sócrates afirmava que:
“Ninguém faz o mal voluntariamente, mas por ignorância, pois a sabedoria e a
virtude são inseparáveis”.
Conta-se que um dia Sócrates
foi levado junto à sua mãe para ajudar em um parto complicado... Vendo sua mãe
realizar o trabalho, Sócrates ‘filosofou’: Minha mãe não irá criar o bebê,
apenas ajuda-lo a nascer e diminuindo a dor do parto... Ao mesmo tempo, se ela
não tirar o bebê, logo ele irá morrer, e igualmente a mãe morrerá! Sócrates
concluiu então que, de certa forma, ele também era um parteiro... O
conhecimento está dentro das pessoas (que são capazes de aprender por si
mesmas)... Porém, eu posso ajudar no nascimento deste conhecimento... Concluiu
ele. Por isso, até hoje os ensinamentos de Sócrates são conhecidos por
maiêutica (que significa parteira em grego)....
Sócrates foi discípulo de Anaxágoras
e Arquelau... Seu talento logo foi convertido em reputação, tanto é que foi
chamado pela Pítia (sacerdotisa do templo de Apolo, em Delfos, Antiga Grécia)
de o mais sábio de todos os homens...
Platão afirma que Sócrates
não recebia pagamento por suas aulas... Sua pobreza era prova de que não era um
sofista... Precursor de Cristo...
Platão considerou que
Sócrates foi condenado por questões evidentemente políticas... Por seu lado,
Xenofonte atribuiu a acusação a Sócrates a um fato de ordem pessoal, pelo
desejo de vingança... O propósito não era a morte de Sócrates mas sim afastá-lo
de Atenas... Ao que Sócrates enfrentou com bravura indómita...
A popularidade de Sócrates se
espalhava e viajava com suas ideias... Enquanto ele angariava mais e mais
discípulos... De graça... Assim, os antigos professores foram ficando irados...
Pensavam eles: Como um homem poderia ensinar de graça e pregar que não se precisavam
de professores como eles? E mais: Eles não concordavam com os pensamentos de
Sócrates, que dizia que para se acreditar em algo, era preciso verificar se
aquilo realmente era verdade... Essa é a base do Método Científico e da
Ética...
Logo Sócrates começou a
colecionar muitos inimigos.
Mas eis que a guerra do
Peloponeso estourou, e todos os homens entre 15 e 45 anos de idade foram
enviados para lutar... Sócrates, pela sua habilidade, carisma e liderança, foi
escolhido como um dos generais... Ao final da guerra, com a intenção de salvar
os poucos soldados que ainda estavam vivos, Sócrates ordena que todos voltem
rapidamente para Atenas, deixando os mortos no campo de batalha - contrariando
uma lei que obrigava o general a enterrar todos os seus soldados mortos, ou
morrer tentando... Assim, ao chegar, Sócrates é preso...
Usando toda a sua capacidade
de persuasão, Sócrates consegue convencer a todos de que era melhor deixar
alguns mortos do que morrerem todos, uma vez que:
Se todos morressem, ninguém
poderia enterrá-los...
Bem ‘sofista’, rsrsrsrs...
Desta forma ele consegue a
liberdade, e permanece livre por mais 30 anos, quando então é preso novamente,
acusado de 3 crimes:
1- Não acreditar nos
costumes e nos deuses gregos;
2- Unir-se a deuses malignos
que gostam de destruir as cidades;
3- Corromper jovens com suas
idéias;
Os acusadores foram: Ânito,
Meleto e Lícon...
Ânito - era um líder político,
comerciante e rico; seu filho era discípulo de Sócrates, e ria dos deuses e do
pai;
Meleto - era um poeta
trágico novo e desconhecido... Foi o acusador oficial, e representava a classe
dos poetas e adivinhos... Deuses questionados, adivinhos questionados;
Lícon - um retórico obscuro
e que teve pouca importância e autoridade no decorrer da condenação... Representava
a classe dos oradores e professores de retórica, com interesses comerciais em
flagrante conflito com o altruísmo gratuito do réu;
"... Sócrates é culpado
do crime de não reconhecer os deuses reconhecidos pelo Estado e de introduzir
divindades novas; ele é ainda culpado de corromper a juventude. Castigo pedido:
a morte"...
Muito mais útil que Cristo,
afinal tinha um propósito ao enfrentar a morte, lutar pela liberdade e pelo livre-pensamento...
Segundo Jean Brun, professor
da Universidade de Dijon, e estudioso da vida de Sócrates:
"O processo e a
condenação de Sócrates testemunham o perigo que a ignorância faz correr ao saber,
que o mal faz correr à virtude... Mas este perigo não é senão aparente, pois,
na realidade, é o justo que triunfa dos seus carrascos... Se bem que seja
vítima deles, o triunfo de Sócrates sobre os seus juízes data do dia da sua
execução."
O tribunal, constituído por
501 cidadãos, o condenou a se exilar para sempre, ou a lhe ser cortada a
língua, impossibilitando-o assim de ensinar aos demais... Caso se negasse, ele
seria morto... E assim foi...
Após receber sua sentença,
Sócrates proferiu:
Vocês me deixam a escolha
entre duas coisas: uma que eu sei ser horrível, que é viver sem poder passar
meus conhecimentos adiante... A outra,
que eu não conheço, que é a morte... Escolho pois, o desconhecido!!!
E quando chegou a hora:
Mas eis a hora de partir: eu
para morte, vós para a vida. Quem de nós segue o melhor rumo ninguém o sabe, excepto
os deuses...
Ao se dirigir aos atenienses
que o julgaram, Sócrates disse que lhes era grato e que os amava, mas que enquanto
tivesse um sopro de vida, poderiam estar seguros de que não deixaria de
filosofar... Sócrates então deixou o tribunal e foi para a prisão... Durante
estes 30 dias, ele recebeu os seus amigos e conversou com eles... Declarando
não querer absolutamente desobedecer às leis da pátria, Sócrates recusou a
ajuda dos amigos para fugir... E passou o tempo preparando-se para o passo
extremo em diálogos com os seus diletos amigos... Chegado o momento da
execução, pouco antes de beber o veneno, Sócrates, de forma irônica e
sarcástica (como de costume), proferiu suas últimas palavras:
- Críton, somos devedores de
um galo a Asclépio; pois bem, pagai a minha dívida... Pensai nisso!!!
Após essas palavras,
Sócrates bebeu o cálice de cicuta (Conium maculatum) e, diante dos amigos, aos
70 anos, morreu por envenenamento... Platão, no seu livro Fédon, assim narrou a
morte de seu mestre:
A morte de Sócrates
Depois de assim falar, levou
a taça aos lábios e com toda a naturalidade, sem vacilar um nada, bebeu até à
última gota.
Até esse momento, quase
todos tínhamos conseguido reter as lágrimas; porém quando o vimos beber, e que
havia bebido tudo, ninguém mais aguentou. Eu também não me contive: chorei à
lágrima viva. Cobrindo a cabeça, lastimei o meu infortúnio; sim, não era por
desgraça que eu chorava, mas a minha própria sorte, por ver de que espécie de
amigo me veria privado. Críton levantou-se antes de mim, por não poder reter as
lágrimas. Apolodoro, que desde o começo não havia parado de chorar, pôs se a
urrar, comovendo seu pranto e lamentações até o íntimo todos os presentes, com
exceção do próprio Sócrates.
- “Que é isso, gente
incompreensível? Perguntou. Mandei sair as mulheres, para evitar esses
exageros. Sempre soube que só se deve morrer com palavras de bom agouro. Acalmai-vos!
Sede homens!”
Ouvindo-o falar dessa
maneira, sentimo-nos envergonhados e paramos de chorar. E ele, sem deixar de
andar, ao sentir as pernas pesadas, deitou-se de costas, como recomendara o
homem do veneno. Este, a intervalos, apalpava-lhe os pés e as pernas. Depois,
apertando com mais força os pés, perguntou se sentia alguma coisa. Respondeu
que não. De seguida, sem deixar de comprimir-lhe a perna, do artelho para cima,
mostrou-nos que começava a ficar frio e a enrijecer. Apalpando-o mais uma vez,
declarou-nos que no momento em que aquilo chegasse ao coração, ele partiria. Já
se lhe tinha esfriado quase todo o baixo-ventre, quando, descobrindo o rosto –
pois o havia tapado antes – disse, e foram suas últimas palavras:
- “Críton (exclamou ele),
devemos um galo a Asclépio. Não te esqueças de saldar essa dívida... Pensai
nisso!!!”
- "Assim farei!",
respondeu Críton. Vê se queres dizer mais alguma coisa. A essa pergunta, já não
respondeu. Decorrido mais algum tempo, deu um estremeção. O homem o descobriu;
tinha o olhar parado. Percebendo isso, Críton fechou-lhe os olhos e a boca.
“Tal foi o fim do nosso
amigo, Equécrates, do homem, podemos afirmá-lo, que entre todos os que nos foi
dado conhecer, era o melhor e também o mais sábio e mais justo."
[Fédon 117e-118c]
Sócrates costumava caminhar
descalço e não tinha o hábito de tomar banho... Em certas ocasiões, parava o
que estivesse fazendo, ficando imóvel por horas, meditando sobre algum
problema... Certa vez o fez descalço sobre a neve, segundo os escritos de Platão,
o que demonstra o caráter lendário da figura Socrática...
Estrabão conta que, após uma
derrota ateniense em que Sócrates e Xenofonte haviam perdido seus cavalos,
Sócrates encontrou Xenofonte caído no chão, e carregou-o por vários estádios,
até que a batalha terminou...
No Fédon, de Platão, Sócrates
parece considerar a imortalidade... Quando Sócrates foi condenado à morte,
comentou alegremente que no outro mundo poderia fazer perguntas eternamente sem
ser condenado a morrer, porque seria imortal...
Sócrates, como já dito, provocou
uma ruptura sem precedentes na história da Filosofia grega, separando filósofos
entre pré-socráticos e pós-socráticos... Enquanto os filósofos pré-Socráticos,
chamados de naturalistas, procuravam responder à questões do tipo: "O que
é a natureza ou o fundamento último das coisas?" Sócrates, por sua vez,
procurava responder à questão: "O que é a natureza ou a realidade última
do homem?" Bem sofista, rsrsrs... Vide Protágoras...
"O homem é a medida de
todas as coisas, das coisas que são, enquanto são, das coisas que não são,
enquanto não são."
Sócrates se assemelhava aos
sofistas, embora Platão afirme que Sócrates não recebia pagamento por suas
aulas... Para Platão, sua pobreza era prova de que não era um sofista...
Evidentemente que não... Seu voto de pobreza era uma opção pela integridade, o
que não necessariamente elimina a hipótese de Sócrates de parecer muito mais
com os sofistas, do que a Platão lhe interessa aceitar... Para os sofistas tudo
deveria ser avaliado segundo os interesses do homem e da forma como este vê a
realidade social (subjetividade), e relativizando todas as regras morais, as
proposições e debates políticos... Alegando que tudo dependeria de uma
argumentação eficiente... Neste particular, existe uma diferença clara com o
pensamento de Sócrates, que mesmo entendo a relatividade de muitos fenômenos,
trata de buscar algumas leis universais, úteis e necessárias...
No entanto, contrariamente
aos sofistas, Sócrates procurava um fundamento último para as interrogações
humanas:
"O que é o bem?"
"O que é a virtude?
"O que é a justiça?”
Sócrates contribuiu para que
os sofistas entendessem a importância das evidências... O que colocou Sócrates
em destaque foi o seu método e sua atitude, e nem tanto as suas doutrinas...
Sócrates baseava-se na argumentação, insistindo que só se descobre a verdade
pelo uso da razão... O seu legado reside, sobretudo, na sua convicção
inabalável de que mesmo as questões – aparentemente - mais abstratas admitem
uma análise racional...
O método socrático consiste
em uma técnica de investigação filosófica, que faz uso de perguntas simples e
quase ingênuas que têm por objetivo, em primeiro lugar, revelar as contradições
presentes na atual forma de pensar do aluno, normalmente baseadas em valores e
preconceitos da sociedade, e auxiliá-lo assim a redefinir tais valores, aprendendo
a pensar por si mesmo...
Considero esta metodologia
particularmente interessante, por levar o debatedor a formular as suas próprias
respostas... E, portanto, ‘parir’ a resposta... Se fornecemos as respostas, elas
não serão assimiladas - mesmo quando há plena concordância – como seriam, se
fossem originadas na mente do aprendiz ou debatedor...
Sócrates também duvidava da
ideia sofista de que a virtude possa ser ensinada às pessoas... Acreditava que
a excelência moral é uma questão de inspiração e não de parentesco, pois pais
moralmente perfeitos não tinham filhos semelhantes a eles... Mas não explicou o
que seria a ‘inspiração’... Isso talvez tenha sido a causa de não ter se
importado muito com o futuro de seus próprios filhos... Talvez Sócrates estivesse
tateando – por observação de padrões – a Genética, e a Neurociência... Quem
sabe?
Sócrates, em gesto de
humildade, frequentemente dizia que suas ideias não eram próprias, mas de seus
mestres, entre eles Pródico e Anaxágoras [de Clazômenas]...
Socrátes afirmava que
“Ninguém faz o mal voluntariamente, mas por ignorância, pois a sabedoria e a
virtude são inseparáveis”... Teria sido fantástico dialogar com Sócrates da
altura do conhecimento que dispomos hoje... Teríamos a Genética e a Neurociência,
para validar a primeira parte da proposição... Alias – e relativizando - nada é
plenamente voluntário, embora pareça... E sim, virtude e conhecimento são
inseparáveis... Também comparto com Sócrates interesse em ajudar e brindar
conhecimento... E tenho percorrido este caminho... Ajudado por homens notáveis,
como ele... Simplesmente: SÓCRATES... Sua atitude e caminho, como precursor inconteste
do Método Científico, e incomparável guardião da Integridade Intelectual, foram
e ainda são ‘inspiração’ para o melhor que o Homem há produzido...
Carlos Sherman
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