‘Os anos são apenas linhas imaginárias. E as pessoas é que devem
decretar quando estão na flor da idade’, disse o poeta Mário Quintana, ao completar
82 anos, em 30 de julho de 88. Nesta entrevista, feita na épca, ele não
comemora a idade - fala de política, religião, literatura, esperança. E, sem
medo da morte, comemora o próprio vigor, anunciando novas obras, entre elas
quatro livros infantis.
Por HERMES RODRIGUES NERY
O senhor crê na reencarnação? — Pois eu não sei, sabe? Eu acho felizes
os que têm crenças religiosas. Acontece que eu só tenho dúvidas religiosas. O
que vai se fazer, né?
O que o sr. acha do fanatismo? — O fanatismo é incompatível com a
inteligência.
Como o sr. vê São Francisco de Assis? — São Francisco de Assis? Irmão
isso... irmão aquilo? Ah... mas ele só gostava dos bichinhos bonitinhos. Porque
ele não falou dos irmãos vermes que pululam às cargas, em outras coisas
horrorosas? Na irmãzinha aranha... na irmãzinha jararaca... Só falou nas coisas
bonitinhas. Ah, não...
Eu queria fazer uma última pergunta. Como o senhor vê essa ausência de
ideais que tanto caracteriza a atual geração? — Mas eu acho que notar a
ausência de ideais — é um sinal de que não está tudo morto, não é? Se não, não
se notaria nada...
E o que me diz da esperança? — A esperança? Olha...eu sempre digo uma
coisa, que o primeiro ditado está errado. O ditado diz que, enquanto há vida,
há esperança. Eu digo que enquanto há esperança há vida. Porque nunca foi
encontrada em nenhuma parte do mundo, num bolso de um suicida, um bilhete de
loteria que fosse correr no dia seguinte. Ele esperaria, ao menos, para comprar
o revólver de ouro.
Este é o ideal? — É. A gente deve sempre conservar aquela
disponibilidade, aquela curiosidade pela vida que as crianças têm. Um adulto
que se 'adultiza' demais... bah! Não tem curiosidade, não tem aceitação para
tudo que as crianças têm. E, antes de tudo, a curiosidade: o mais triste da
vida é alguém perder a curiosidade pela própria vida.
‘O milagre não é dar vida ao corpo extinto, ou luz ao cego, ou
eloquência ao mudo... Nem mudar água pura em vinho tinto... Milagre é
acreditarem nisso tudo.’
Mário
Quintana
Gosto do Quintana... foi o poeta mais objetivo que conheci... Ele sabe falar da vida de maneira direta, mas sem abrir mão do encanto, da beleza.
ResponderExcluirParabéns pelo post!
Um abraço
Querida, adoro Quintana, e foi bom que comente sobre 'o poeta mais objetivo que conheci'... Existe um conceito equivocado de que arte, poesia, música, é uma arranjo de palavras que funcionam... Isso é verborragia... Para falar, escrever, poetar, letrar, compor, precisamos ter o que dizer... Quintana tinha o que dizer... Assim como Drummond, Neruda, Pessoa, Borges, etc... Assim como Darwin, Einstein... As obras primas destes 'autores', são obras de arte do pensamento humano, e da linguística... Finalmente, sensibilidade não anda separada do pensamento... Pensar e sentir estão interligados, e não podem sob nenhum pretexto serem tratadas como condições mutuamente exclusivas... Não precismos abrir mão do encanto e da beleza para nada, e muito menos para expressar idéias e ideais... Se não temos nada a expressar, então nos calemos... Escutemos... Pensar e sentir, estão intimamente relacionados, e na verdade são a mesma coisa... A grande confusão parte do 'calculismo, da frieza calculista, do oportunismo'... Mas isso não é pensar... É antes, mais parecido com ruminar... Ruminar sobre um pasto de dinheiro e poder... Para finalmente cagar um vida... Serão os mais ricos do cemitério... E não terão sentido nem pensado nada... Não terão nem existido...
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