Excerto de EVA - AS ORIGENS DA MISOGINÍA (SHERMAN; 2011)
As velhas crenças teológicas,
quando pareciam debilitadas pela razão,
em pleno século XVIII, reapareciam sempre que uma possibilidade sobrenatural se acercava. A varíola foi
uma destas oportunidades para a ignorância religiosa desfilar o círio, e
desatando uma tempestade de protestos teológicos contra a razão.
Um clérigo anglicano publicou
um sermão onde afirmava que, assim como “as
pústulas de Jó eram devidas à inoculação do diabo, assim havia sucedido com a
crescente epidemia de varíola”. Vários ministros
eclesiásticos escoceses publicaram manifestos contra a Ciência Médica, e em especial contra a recente descoberta da
circulação sanguínea, os estudos de anatomia, fisiologia, etc. – assim como o
estudo de células-tronco em nossos
dias; afirmando que estávamos “tratando de desafiar o julgamento de deus”
– sobre quem deve ou não deve morrer.
Mas a varíola responderia a toda
esta carolice com mais e mais mortes. Quanto mais oravam e praguejavam contra a
Ciência, mais mortos. Os terrores
teológicos foram acalmados pelo terror imposto pela realidade da morte. A controvérsia parecia declinar, quando foi
descoberta a VACINA. Os clérigos de todas as facções da cristandade afirmavam
em uníssono que:
[A vacina era um] insolente desafio aos céus, e à VONTADE DE DEUS.
Em
Cambridge e na Sorbonne, universitários cristãos unidos, pronunciaram sermões,
opondo-se à VACINA. O mais grave sucedeu quando, em 1885, e já no século XIX,
houve um disparo no número de casos da doença em Montreal, Canadá, e a parte
católica da população repudiou a vacinação. Um sacerdote católico declarou que:
Se estamos afligidos pela varíola é porque comemoramos o carnaval no último inverno, festejando a carne e ofendendo ao Senhor.
As mortes vieram sem trégua sobre os
católicos, e deus, por alguma misteriosa razão, pouparia apenas àqueles
que foram vacinados.
Os Padres Oblatos, cuja igreja estava situada no coração do distrito infestado, seguiram denunciando a vacina; foi exortado aos fiéis para que se dedicassem a diversos tipos de devoção; com a permissão das autoridades eclesiásticas, foi ordenada uma grande procissão com um solene chamamento à Virgem, e foi cuidadosamente especificado o uso do rosário. (White; op. cit., v.II, p.60)
Pobres fiéis, todos aniquilados pela
varíola, perla ignorância, ou pela fé na divindade equivocada? O mesmo sucederia
com o advento da descoberta dos afeitos anestésicos do clorofórmio pelo médico
escocês Sir James Young Simpson (1811—1870). Simpson, em 1847, recomendou o uso
no parto, ao que o clero lhe respondeu com Gênesis [3:16]:
E à mulher disse: Multiplicarei grandemente a tua dor, e a tua conceição; com dor darás à luz filhos; e o teu desejo será para o teu marido, e ele te dominará. - Gênesis [3:16]
Simpson, no entanto, logrou aprovar os anestésicos para os homens,
salientando que deus anestesiou Adão, “adormecendo-o,
antes de extrair sua costela”.
Sim, precisamos abolir tudo
isso, o corão, a torá, o velho e o novo
testamento, a RELIGIÃO; para vivermos melhor, com mais saúde, paz, e em verdadeira harmonia. E não seremos
capazes da fazê-lo se não pudermos entender e combater o primeiro fundamento
contido em tais livros, i.e., o enaltecimento
da ignorância pelo repúdio à razão, ao entendimento, ao conhecimento REAL, factual, Científico. E a subsequente
glorificação da submissão, da servidão, do conceito de “manada”.
Não seremos capazes de abolir tais livros se não pudermos entender
antes a clara sentença de morte à consciência e àqueles que a conservam: os “hereges”. E não poderemos dar este
passo, se não pudermos constatar também o preconceito, o sectarismo, o racismo,
a pulsão de MORTE, e o regozijo pela morte, contido em tais mensagens
apologéticas.
Carlos Sherman
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