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sexta-feira, 10 de março de 2017

O ERRO DE SPINOZA - QUASE LÁ!!!



O ERRO DE SPINOZA - QUASE LÁ!!!
Por Carlos Sherman 

Muitos publicaram e muitos mais leram o famigerado texto "DEUS SEGUNDO SPINOZA"... Spinoza esteve quase lá; e, conforme diz o falacioso texto, pode até ser a "coisa mais linda já dita sobre deus", mas ainda assim está bem longe de ser a mais correta – e verdadeira... E este texto JAMAIS foi escrito por Spinoza. Esta falsificação anda na boca de charlatões e loucos como "Inri Cristo", "Ascensão Planetária", "Ser Luminoso", entre outros picaretas. Não divulguem mentiras e falácias, até porque a Falsidade Ideológica é crime!

O melhor que podemos fazer sobre os deuses, todos eles, é devolvê-los à Mitologia, e de onde vieram... Isso dito no século XXI e sem mais. Para então enfrentar e desfrutar a vida real, maravilhosa, complexa... sem deuses e/ou demônios.

Spinoza foi um dos mais importantes pensadores e filósofos de todos os tempos; e já no século XVII, após ter sido excomungado pela Igreja Católica, confrontou toda a ladainha crente de seu tempo com ainda mais vigor. Mas deixou reservas de domínio, e significativas; o que não diminui o seu valor. E no final, apesar da genialidade, resumiu deus à uma pálida sofisticação pessoal seguida por uma falácia Nomotética: "Deus Sive Natura".

Coube a Meslier, inspirado por Lucrécio, enterrar toda esta fantasiosa e terrível fábula teísta de cunho judaico-cristão-islâmico; mas Nietzsche receberia a fama - e sem demérito. Todos os homens notáveis supra citados dedicaram precioso tempo à desconstrução de uma ilusão; e já não seria possível saltar estes passos, e seus esforços não foram em vão.

Spinoza fez muito mais como livre-pensador no século XVII do que muitos e mais do que a maioria consegue fazer depois de 400 anos decorridos de sua morte. E ainda assim recorrem ao seu legado buscando justificativas deístas e agnósticas... e mal entendendo este fenômeno filosófico. Um homem que apesar das amarras de seu tempo, e das quais não foi capaz de soltar-se em plenitude - sob pena de ser morto -, questionou a institucionalização de deus; e o fez com inegável maestria lógica. E muito seria feito sobre esta base intelectual.

Russel define Spinoza em sua magistral História da Filosofia Ocidental como:

“Spinoza é o mais nobre e o mais humilde dos grandes filósofos [...] Intelectualmente outros o superam, mais eticamente ele é supremo.” - Bertrand Russell

Não posso discordar de tais palavras. Acrescento apenas que Spinoza - além de pensador - passou a vida fabricando e polindo lentes científicas; i.e., também considero a sofisticada lógica de Spinoza como uma forma metafórica de polir o conceito de ética, assim como o aprofundamento nos mais variados temas. Spinoza esteve muito à frente de seu tempo!!!

Mas as lentes de Spinoza também promoveram severos equívocos e distorções, e podemos notar a clara influência das ideias de Maimônides – Guia dos Perplexos - em sua obra, além do triste legado agostiniano sobre suas palavras:

"Concluí tudo o que queria explicar a respeito do poder da mente sobre as emoções e sobre sua liberdade. Pelo que foi dito, vemos em que consiste a força do homem sábio e quanto ele ultrapassa o ignorante que é conduzido apenas pela concupiscência. Pois o homem ignorante não apenas é agitado de muitas maneiras por causas externas e nunca desfruta da verdadeira paz de espírito, mas também vive inconsciente, por assim dizer, de Deus e das coisas, e tão logo cessa de sofrer, cessa também de ser. Por outro lado, o homem sábio, enquanto for considerado como tal, raramente comove seu espírito, mas sendo consciente, por uma certa necessidade externa, de si mesmo, de Deus e das coisas, nunca cessa de ser e sempre desfruta da verdadeira paz de sua alma." - Espinosa ('Ética')

Este é o famoso capítulo de encerramento da Ética, muito citado nos círculos ditos filosóficos. Spinoza afunda aqui em juízo moral, execrando o ignorante e endeusando o sábio... e desprezando o SEXO. Mas em outra passagem evolui espetacularmente, tangenciando o que viria a ser a refutação do falacioso conceito de livre-arbítrio, embora ainda preso ao desígnio moral divino:

"Se as coisas devessem ser diferentes do que são, isso envolveria uma mudança na vontade de Deus, e essa não pode ser mudada (como nos foi muito claramente demonstrado pela perfeição de Deus): portanto, as coisas não poderiam ser de outro modo senão como elas são." - Spinoza  ('Ética'; Parte I, nota 2 à proposição XXXIII)

Genial! Como consequência, conclui Spinoza:

“[um] homem livre [não pensa] em nada menos do que na morte; e sua sabedoria é uma meditação não sobre a morte, mas sobre a vida" - Ibidem

Tudo já está determinado e as pessoas são "livres" no sentido limitado de que estão “livres para aceitar os eventos em vez de apenas sofrê-los" - evoluindo o conceito agostiniano de que “são livres apenas para pecar”.

Spinoza avança e hesita, tropeça, e até cai... mas muda para sempre a História do Pensamento Humano. Spinoza esteve quase lá!!! Para quem não conheceu Darwin, Mendel e Cajal, podemos dizer tratar-se de um gênio; um gênio perturbado, rsrsrsrs, muito perturbado, mas inegavelmente um gênio.

Carlos Sherman

sábado, 4 de março de 2017