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quinta-feira, 1 de setembro de 2016

METAFÍSICA - UM BOM LOTE DE QUESTÕES MAL FORMULADAS, E PRIMARIAMENTE IRREFLETIDAS




METAFÍSICA - UM BOM LOTE DE QUESTÕES MAL FORMULADAS E PRIMARIAMENTE IRREFLETIDAS

Tudo o que poder ser expresso, nominado, descrito - em prosa ou em verso -, assim como todo e qualquer conceito ou termo semanticamente definido, e que pode ser transmitido também por meios físicos, definidos no tempo e no espaço do universo físico, também necessariamente será físico ou material. A imaterialidade não pode ser expressa nem experimentada por seres sumamente físicos; induzidos à vida pela Biologia e pela Física, e inteiramente dependentes destas disciplinas..

Mesmo quando descrevemos aquilo que afirmamos "não fazer parte da materialidade", o fazemos de forma inteiramente material; e.g., um fantasma; dizemos que o fantasma não "habita o mundo dos vivos", pois "habita o mundo dos mortos"; além disso o nosso fantasma não é de carne e osso, mas pode ser detectado com os nossos sentido, como uma "névoa" ou algo "enevoado"; registramos sua aparição com câmeras, eles movem objetos, emitem sons - sendo tais propriedades inteiramente dependente da materialidade. Assim como o conceito de amor, tristeza, saudade...

Tomemos a palavra "saudade" - que, segundo dizem, só pode ser inteiramente expressa na língua vernácula conhecida por Português; pois tal língua só existirá se estiver fisicamente expressa - mesmo em Braile. Será necessário um termo de concordância, relacionando vocábulos com o seu pretenso significado - o dicionário; sendo que tais significados serão concebidos com base em outras premissas e significados antecedentes - todos eles materiais, físicos, e passíveis de serem abarcados por meio dos sentidos. Qualquer expressão física sobre qualquer palavra ou conceito semanticamente definido será forçosamente resultante de uma cadeia material de fenômenos... Sempre!

A sensação física da emoção será indutora da consulta física à um dicionário de símbolos físicos, e tratará de expressar por meio físico tal conceito - o que resume em si uma ação física. Outro interlocutor fisicamente dotado será fisicamente necessário, mesmo para conversar sobre - digamos - uma abstração tal como a "Metafísica"...

Tudo na cadeia é físico, não restando aos discordantes senão alguns truques verbais e de cena - todos físicos. Por exemplo, quando o seu pastor, professor de Sociologia, Filosofia, ou Psicologia, lhe diz: "abandone a racionalidade por um instante"; ele está usando uma estratagema "racional" e lógica para convencê-lo. No caso, ele está sugerindo que você abra mão de seus argumentos fortes em favor da aceitação tácita de outros argumentos frágeis.

A palavra "saudade" também estaria, portanto, dirigida ao fenômeno físico, percebido fisicamente pelo corpo, e expressa fisicamente pela voz ou pela impressão escrita, ou por meio de expressões faciais e gestos.

Quando sentimos a falta da presença física de outra pessoa, e se não podemos realizar o ato físico de mais uma vez estar em sua companhia, dizemos com uma ponta de melancolia que sentimos saudade. O conceito só existe quando é percebido fisicamente; e é dependente, para isso, da existência de um sistema neural, dos correspondentes neurotransmissores e neuroceptores. Também poderá ser comparado com outras experiências através da verbalização oral ou escrita, mas necessariamente dependerá de meios físicos.

Finalmente, seremos incapazes de sentir saudade se estivermos desprovidos de cérebro, ou em situações particularmente dramáticas, como no caso de asseverados disturbios neuropsicológica - todos eles de natureza inescapavelmente física.

Não sentiremos saudade ou outras emoções físicas ligadas à empatia se a nossa fisiologia não o permitir - fisicamente... Como no caso dos psicopatas...

Sentimentos e emoções são tramas físicas, dependem da fisiologia do cérebros, seus circuitos neurais, além da bioquímica inerente a este processamento. Tudo é físico e precisa ser físico; afinal a cognição é física, assim como a própria expressão das ideias. Também é física a necessidade neuropsicológica de chamar a atenção, de negar a responsabilidade, de negar a realidade, assim como a afinidade com o pensamento mágico, e os ritos da autoridade "metafísica" sobre a realidade...

Parafraseando Bertrand Russell, digo também que a Metafísica não passa de um bom lote de questões mal formuladas e primariamente irrefletidas. É não me estendo mais...

Carlos Sherman

SCIENTIA - UMA ATITUDE



SCIENTIA – Uma Atitude

A senhora M.S. publicou a seguinte e recorrente crítica a um de meus posts sobre a importância da Atitude Científica:

"Por falar no Círculo de Viena, para Karl Popper, do ponto de vista lógico não é nada óbvio que se justifique inferir assertivas universais a partir de assertivas singulares, por mais numerosas que essas sejam. Uma determinada teoria é válida até que seja refutada. Lembremos que inúmeras teorias científicas já reinaram como absolutas e corretas até o dia que foram refutadas, substituídas ou modificadas por outras teorias...É impossível viver sem o auxilio da ciência, no entanto é perigosa a mitificação da mesma pois todo mito é perigoso. Nem o senso comum é tão ingênuo como costuma ser pintado e nem a ciência é tão rigorosa e infalível quanto se apresenta." 
Tenho relevado este tipo de comentário, mas desta vez será diferente... Este tipo de atitude cria muitos e graves problemas, e o silêncio também tem as suas nefastas consequências; de forma que desta vez não vou calar, e a minha resposta virá completa, certeira, e sem rodeios.


UM OBSCURO PATCHWORK PSEUDOFILOSÓFICO

“É melhor acender uma vela do praguejar contra a escuridão.” – Carl Sagan

Senhora M.S., li atentamente sua mensagem, tenho acompanhado suas recentes publicações, de forma que tenho pouca ou nenhuma esperança de que leia a íntegra de minha resposta; muitos menos que aprenda com ela, ou ainda e em tempo decida-se por capitular... Lembrando sempre que o melhor caminho em um beco sem saída sempre é voltar atrás. É nesse momento que distinguiremos ratos e humanos; aqueles que rastejarão pelas cavidades estreitas, escuras, e mal cheirosas, e aqueles que se levantarão refeitos e melhores.

O seu comentário pode parecer ingênuo e primário, mas é intelectualmente desonesto - já que copia as palavras de outras pessoas sem dar o crédito ou citar a fonte -, enquanto esconde um obscuro e recorrente ataque pessoal. Estão presentes os costumeiros e destacados desvios cognitivos da crença na crença, e que me remetem a certa compaixão: o animismo – como se ciência pudesse representar um ser passível de mitificação e idolatria; o intencionalismo – como se a ciência correspondesse a uma espécie de grupo finamente sincronizado, uma corporação dotada de ilimitada ambição e narcisismo; e o clássico maniqueísmo. Mas trata-se também de um bom lote de impropérios e falácias retóricas, e que me desafiam...

As palavras de Popper são citadas fora de contexto, e sugerindo um sentido diametralmente oposto à verdadeira reflexão do autor; também são citadas ipsis litteris, de forma que deveriam estar entre aspas, já que o raciocínio definitivamente não é seu. Você não pode ter lido Popper; você leu sobre Popper no mesmo lugar de onde plagiou as seguintes palavras:

“Em outras palavras, nem o senso comum é tão ingênuo quanto costuma ser pintado, nem a ciência é tão rigorosa e infalível quanto se apresenta.” - Lyard Libório Ferreira

Tristemente desonesto... Mas também inteiramente equivocado e inútil...


A ILHA DA IGNORÂNCIA

"A Filosofia não consistiria afinal em fingir ignorar o que se sabe e saber o que se ignora? Ela duvida da existência, mas fala seriamente do ‘Universo’." - Paul Valéry (‘O Homem e a Concha’)

Mas este obscuro patchwork pseudo-filosófico também representa a oportunidade certa para responder a muitos como você, que nutrem as mesmas falsas certezas, e comentem os mesmos equívocos em detrimento da integridade intelectual; pessoas que bem poderiam contribuir ainda mais no endereçamento da realidade – porque o fazem, amiúde -, em favor de uma vida melhor, aliviando o sofrimento humano, e debatendo com um mínimo de responsabilidade; definem-se como ateus, mas não passam de presas fáceis do pensamento mágico pseudo-filosófico e afins – um novo tipo de esoterismo, uma mera crendice, capitaneada no Brasil pelo autor Marcelo Gleiser, e o seu lamentável livro ‘A Ilha do Conhecimento’. Temem a impopularidade, enquanto aventuram-se em temas que não estudaram suficientemente, capengam e busca de atenção, ou ávidos por provocar qualquer sorte de subversão contra positiva, remando bobamente contra uma maré inventada, não importando se a direção é legítima ou não... Eles precisam falar... e falar antes de pensar... Como se tuitassem no Facebook citando aforismos ao léu no cyber space...

Esta é uma oportunidade de ouro também porque você comete o disparate de citar Popper para desqualificar o empenho científico, e se estrepa... já que Popper é um leal guardião do racionalismo crítico e da atitude científica diante da vida. Pois já que prefere, vamos com Popper; um homem sério, pouco disposto a firulas pseudo-filosóficas de ocasião, às vezes um tanto quanto apodítico, mas que nunca se limitou ao trabalho medíocre de ser um mero operário em um departamento acadêmico qualquer.

Você poderia ao menos plagiar um pensamento útil... Mas, e embora não as palavras não sejam suas, foram disparadas por você; então, passo a registrar primeiramente que: você está generalizando o enorme complexo de conhecimento validado ao longo da História do pensamento humano de Ciência – e tudo bem; registro em seguida que: ainda que este conjunto de ações dirigidas pela atitude científica conforma um corpus, sem, no entanto, dispor de uma corporação clara ou cátedra, como a Filosofia; finalmente, devo explicar que: o termo Ciência é claramente apartado da autoridade dita filosófica pelos trabalhos do Círculo de Viena, mas isso jamais implicou em infalibilidade – e o contrário. Jamais se pretendeu o absoluto, em 250 anos de consagrada atitude científica, senão na cátedra de filosofia – seja a filosofia teológica, sociológica, psicológica ou astrológica. Jamais! E desafio você a citar um único exemplo.


O PONTO DE VISTA DE KARL POPPER SOBRE A UNIVERSALIDADE DO CONHECIMENTO CIENTÍFICO

“É difícil libertar os tolos das correntes que eles veneram.” – Voltaire

Quando Popper se refere a “assertivas singulares” na tentativa de inferir “assertivas universais”, ele está criticando a filosofia, e não a Ciência; e mais precisamente os respectivos e destoantes “essencialismos” em Platão e Aristóteles:

“Escolhemos explicações em termos de leis universais da natureza, oferecemos uma solução precisamente a este último problema (platônico). Pois concebemos todas as coisas individuais e todos os tatos singulares como sujeitos a estas leis: As leis (que por sua vez têm necessidade de maior explicação) explicam assim as regularidades ou similaridades de coisas individuais ou de fatos ou eventos singulares... E essas leis não são inerentes às coisas singulares. (Nem são ideias platônicas exteriores ao mundo.) As leis da natureza, antes, são concebidas como descrições (conjecturais) das propriedades estruturais da natureza — de nosso próprio mundo.” - Karl Popper (‘Conhecimento Objetivo’; 1999)

“[...] Sempre que possamos explicar uma lei ou teoria conjectural por meio de uma nova teoria conjectural de grau de universalidade superior, estamos descobrindo mais acerca do mundo, tentando penetrar mais fundo em seus segredos. E sempre que conseguimos tornar falsa uma teoria dessa espécie, fazemos uma nova descoberta importante. Pois estas falsificações são muitos importantes. Elas nos ensinam o inesperado; e nos confirmam que embora nossas teorias sejam feitas por nós mesmos, embora sejam invenções de nós mesmos, NEM POR ISSO DEIXAM DE SER GENUÍNA ASSERÇÕES ACERCA DO MUNDO [grifo meu]; pois podem chocar-se com algo que nunca fizemos.” (idem)

“[...] as leis universais da natureza podem ser asserções com rico conteúdo, de modo que podem ser independentemente testadas em qualquer parte e a qualquer tempo. [...] A pergunta ‘Que tipo de explicação pode ser satisfatória?’ leva assim à resposta: uma explicação em termos de leis universais testáveis e falsificáveis e de condições iniciais. E uma explicação deste tipo será tanto mais satisfatória quanto mais altamente testáveis forem essas leis e quanto mais bem testadas houverem sido. [...] Desse modo, a conjectura de que a meta da ciência é encontrar explicações satisfatórias leva-nos, adiante, à ideia de melhorar o grau de satisfação das explicações melhorando o seu grau de testabilidade, isto é, passando para teorias mais bem testáveis; o que significa passar para teorias de conteúdo sempre mais rico, de mais alto grau de universalidade e de mais alto grau de precisão. Isto, sem dúvida, esta plenamente em consonância com a prática efetiva das ciências teóricas. [...] ASSIM A TAREFA DA CIÊNCIA CONSTANTEMENTE SE RENOVA. Podemos marchar para sempre, passando a explicações de nível de universalidade cada mais alto – a menos que realmente cheguemos a uma explicação final; isto é, a uma explicação que não seja capaz de qualquer explicação ulterior ou necessite dela.” (idem)

Sendo assim, só podemos de fato nos importar com o endereçamento da realidade, e trabalhando com afinco na redução de gradação de erro, já que não saberemos ao certo quando chegaremos ao fim, se há um fim, ou se já estamos no fim – e na verdade ISSO NÃO IMPORTA. Sob o pretenso pretexto essencialista do absoluto e perfeito, deixamos preguiçosa e arrogantemente de pensar e trabalhar, para simples e responsavelmente progressar... E mais, a Aventura da Ciência está fundamentada em “chocar-se” com o desconhecido, e elucidá-lo sem reservas de domínio. Falar em “ciência absoluta” é uma contradição em termos, e uma acusação no mínimo especiosa:


UM RECADO DE POPPER A VOCÊ

“Há quem defenda os seus erros como se estivesse a defender uma herança.” - Edmund Burke

Sobre o irracional vilipendio da assertiva científica:

“A discussão entre racionalismo e irracionalismo é de longa data. Embora a filosofia grega indubitavelmente começasse como um empreendimento racionalista, havia estrias de misticismo mesmo em seus primeiros começos. É o anseio pela unidade perdida e pelo abrigo do tribalismo que se expressa nesses elementos místicos infiltrados numa concepção fundamentalmente racional. [...] o irracionalismo oracular estabeleceu (especialmente com Bergson e a maioria dos filósofos e intelectuais alemães) o costume ele ignorar ou de pelo menos deplorar a existência de um ser tão inferior como um racionalista. Para eles, os racionalistas — ou os “materialistas”, como muitas vezes dizem — e especialmente o racionalista cientista, são os pobres de espirito, dedicados a atividades amplamente mecânicas e desprovidas de alma, completamente alheios aos mais profundos problemas do destino humano e de sua filosofia. E os racionalistas costumam retribuir rechaçando o irracionalismo como pura insensatez. Nunca antes o rompimento foi tão completo. [...] Nessa disputa, estou inteiramente ao lado do racionalismo. E tanto assim é que, mesmo onde sinto que o racionalismo foi longe demais, ainda simpatizo com ele, sustentando, como faço, que UM EXCESSO NESSA DIREÇÃO [grifo meu] (enquanto excluirmos a imodéstia intelectual do pseudo-racionalismo de Platão) É VERDADEIRAMENTE INOFENSIVO SE COMPARADO A UM EXCESSO NA OUTRA [grifo meu]. Em minha opinião, o único modo pelo qual o racionalismo excessivo é susceptível de mostrar-se daninho será por tender a minar sua própria posição e assim favorecer uma reação irracionalista. Somente este perigo é que me induz a examinar as acusações de racionalismo excessivo mais de perto e a advogar um racionalismo modesto e autocrítico, que reconheça certas limitações. Em consequência, distinguirei, no que se segue, entre duas posições nacionalistas, que rotularei ‘racionalismo critico’ e ‘racionalismo não critico’, ou ‘racionalismo compreensivo’. (Esta distinção é independente da primeira, entre um ‘verdadeiro’ e um ‘falso’ racionalismo, ainda que a meu entender um racionalismo ‘verdadeiro’ dificilmente posa deixar de ser crítico.) [...] Ora, é fácil de ver que esse principio de ume racionalismo não-critico é inconsistente, pois, não podendo ele por sua vez ser sustentado por argumentação ou experiência, isso implica que ele próprio deveria ser repelido. (É ANÁLOGO AO PARADOXO DO MENTIROSO, ISTO É, A UMA SENTENÇA QUE AFIRME A SUA PRÓPRIA FALSIDADE [grifo meu].) O racionalismo não-critico é, portanto, logicamente insustentável e visto como isso pode ser mostrado por um argumento puramente lógico, o racionalismo não-critico pode ser derrotado com suas próprias armas, a argumentação.” – Karl Popper (‘Conhecimento Objetivo’; 1999)

Se leu alguma obra de Popper, qualquer uma, nada aprendeu sobre o Conhecimento Objetivo, sua importância e destaque como a nossa única alternativa; e é exatamente isso que Popper pensava.


O ABSOLUTO E O CIENTÍFICO

Esperamos mais de 30 anos para encontrar o Bóson de Higgs, mas nos preocupamos em dedicar um ano mais à sua validação. De forma que muito me preocupa que o seu ataque se debruce sobre a falibilidade assumida do método científico, enquanto sugere que escutemos a sei lá o que, de sei lá onde... Dê nomes aos bois, conforme proposições com alguma utilidade prática. Absolutismo, mitificação, e idolatria, são questões que merecem muita atenção sim – sendo este o papel derradeiro do Círculo de Viena; mas estes são problemas relacionados à autoridade dita filosófica, e não da atitude dita científica:

“Um princípio de pensamento científico corresponde a uma espécie de honestidade incondicional [...].” – Richard Feynman

É esta honestidade incondicional ou Ética que reside no Ceticismo Científico, confrontando a vacuidade das crenças e os ‘discursos persuasivos’ em favor de mentiras, interesses e sandices. Isso porque as crenças se baseiam apenas na caprichosa, débil ou vã vontade de acreditar – e isso é humano. Não se pode, de forma alguma, comparar a nobre atitude de tornar-se ciente pelo confronto de hipóteses sérias, consequentes, e concernentes com a realidade, com a autoridade especiosa de velhas ou novas convicções. Não se pode usar como desculpa a falibilidade assumida da ciência para validar crenças filosóficas. Uma verdade científica tem uma validez e universo de aplicação, assim como seu erro assumidamente demarcado, e que estará sob o crivo constante, acirrada revisão, e variada fiscalização, sendo esta a maior fortaleza da Ciência, e não o contrário.

Sobre Max Planck, Einstein escreveria:

“Um homem a quem foi dada a oportunidade de agraciar o mundo com uma grande ideia criativa não precisa do louvor da posteridade. Sua própria façanha já lhe conferiu uma dádiva maior!”

A cientista e antropólogo Claude Lévi-Strauss diria no antológico ‘Mythologiques’ (1964) que:

“O cientista não é uma pessoa que dá as respostas certas, ele é aquele que faz as perguntas certas.”

Onde está a idolatria? Onde está a mitificação? Com base em que você fala em “mitificação” e “absolutos”, se a atitude científica inclui uma restrição de validez e o erro associado?


UMA PERIGOSA MITIFICAÇÃO

“Aristóteles afirmou que as mulheres têm menos dentes do que os homens. Tendo sido casado duas vezes, nunca lhe ocorreu verificar tal afirmação, apenas examinando as bocas de suas esposas.” - Bertrand Russell (‘O impacto da ciência na sociedade’; 1951)

Pois notem o descaso do “filósofo” em relação a qualquer tipo de comprovação de seus postulados; mas notem com ainda mais atenção a certeza magnânima de Aristóteles na sua AUTORIDADE – na autoridade de seus constructos! É chocante e apavorante. Estudar o cérebro de Aristóteles seria a alegria da Neurociência, mas seus devaneios não poderiam ser levados em conta na orientação de qualquer outro estudo, sobre qualquer outro assunto – a não ser na cátedra de Filosofia. O Círculo de Viena sim separou a autoridade do conhecimento, e nunca mais fomos os mesmos – pelo bem da humanidade e da vida.

A perigosa mitificação da bandeira que você inconscientemente defende, e não assume; a carcomida bandeira corporativa da autoridade filosófica e seus derivados – a filosofia da religião ou teologia, a filosofia do comportamento ou psicologia, a filosofia do social ou sociologia, e a filosofia da previsão ou astrologia. Mas tais cursos ou disciplinas representam negócios, e a terminologia genérica de seus rótulos não será suficiente para garantir a propriedades de seus constructos e matérias de estudo – já que estão consagrados sobre falácias. A utilidade sobrevirá! Assim como os profissionais em suas fileiras não bastarão pelo título. Sempre lembrando que os “primeiros filósofos” não eram filósofos senão pensadores... A Filosofia batizou filósofos profissionais com o tempo, mas foi erigida por homens como você e eu, dispostos à autoridade sobre a realidade, ou o seu limpo descortinar... até Viena.

A capacidade intelectual é humana, e está em voga desde antes de sua discussão em Atenas; e aqui devo deitar por terra uma velha falácia: o pensamento estruturado não começa na Grécia. O que é fundado na Grécia e cunhado pela História, de fato, é uma linha de pensamento: o Essencialismo. Pensar, conhecer, sempre esteve associado à atitude de tornar-se ciente: Scientia – a versão latina para a palavra CONHECIMENTO. O que batizamos por Filosofia tem impulso no Essencialismo Platônico. Os Jônicos continuaram a ser protocientistas.

“Somente uma vez antes em nossa história houve a promessa de uma civilização científica brilhante. Beneficiária do Despertar Jônico [...].” (Sagan; ‘Cosmos’; 1980)

Mas nem toda a cultura helenística se beneficiaria deste despertar, e este é o papel da predominância em nossos hemisférios cerebrais. E presumo que este seja um assunto muito objetivo ou “cientificista” para suscitar vosso interesse. Mas este é o ponto, este é o problema, esta é a base de toda esta mal fadada discussão. E tal doutrina – o Essencialismo -, moldada nas possibilidades neuropsicológicas humanas, se mostraria uma aliada fiel dos diversos fascismos em curso, moldando um fenômeno que Popper batizaria – com muita propriedade – de “Historicismo” (Popper; ‘A Sociedade Aberta e Seus Inimigos – Volume I e II’; 1998), e um caminho mordaz para as sociedades que pretendem a liberdade e a fraternidade. Os sistemas essencialistas e historicistas pré-helênicos estavam fundados no sobrenatural; agora tentávamos legitimar tais sistemas transformando homens em deuses. Não é por acaso que na contracapa desta obra de Popper está escrito:

“Um trabalho cuja importância é de primeira linha e que deve ser largamente lido por sua crítica de mestre aos inimigos da democracia, antigos e modernos. Seu ataque a Platão, embora não seja ortodoxo, está inteiramente justificado em minha opinião. Sua análise de Hegel é mortal. Marx é dissecado com idêntica agudeza e é, em parte, devidamente responsabilizado pelas desgraças atuais. Este livro é uma defesa vigorosa e profunda da democracia, oportuno, interessantíssimo, magistralmente escrito.” - Bertrand Russell

Eu elencaria muitos mais nomes, como Heidegger, Sartre, Foucault, Kant, Leibniz, Descartes, Aristóteles – e Popper também o faz... E o que sobraria para a cátedra de Filosofia, diante deste completo esvaziamento e associação ao Fascismo e à crença? E ainda: o que política e democracia têm a ver com isso? Tudo, pois o conhecimento – ou ‘scientia’ em Latim – se aplica a tudo. Enquanto cumpre-me perguntar, em sua crítica: quem o que grêmio estaria em condições de moderar os eventuais excessos “cientificistas” e “objetivistas” cometidos por cientistas – ou por uma tal Ciência? E quem, após o Círculo de Viena afirmou que leis ou teorias científicas são eternas ou absolutas? Quem?


ENDEREÇANDO A VERDADE

“Quando as pessoas pensavam que a Terra era plana, estavam erradas. Quando as pessoas pensavam que a Terra era – ‘exatamente’ [grifo meu] - esférica, estavam erradas. Mas, se você considera que ‘pensar que a Terra é esférica é tão errado quanto pensar que a Terra é plana’, então a sua visão está mais errada do que as duas juntas.” – Isaac Asimov (‘A Relatividade do Erro’; 1989)

Asimov explicaria ainda que as pessoas buscam por certezas absolutas, ou negações absolutas. As pessoas estão platonicamente aprisionadas em uma falsa noção de perfeição; de forma que, se alguma coisa não é exatamente’ ou absolutamente perfeita, então ela estará totalmente errada. Isso não nos leva a nada. Existem gradações de erros, sentenças verdadeiras e falsas; e a ostentação de verdades absolutas, somente serve ao propósito de turvar a nossa visão diante da ‘realidade objetiva’ – à qual Gleiser chama pejorativamente de ‘objetvismo’ -, impedindo que possamos diminuir a confusão reinante, optando por posições mais acertadas do que outras.

‘Objetivismo’ é particularmente abjeto, irresponsável e injustificável; assim como a acusação de “cientificismo” dirigida aos homens que mudaram o mundo pra melhor, e deflagrada pelo seu “professor” de Filosofia, em sua “aula para o terceiro ano” – provavelmente do ensino médio. O seu ataque está dirigido contra o argumento inconteste de que 250 anos de Ciência triplicaram a expectativa de vida humana, diminuindo em quarenta vezes a mortalidade infantil, e reduzindo em mais de cem vezes a violência - o que multiplicou em sete vezes a população do planeta...

Podemos endereçar a verdade, podemos testar a veracidade, a lucidez... e este é o propósito da investigação científica; muito embora não seja a sua fonte de inspiração. Somos inspirados pela beleza da vida, por nossas paixões, amores, pela devoção a estes amores e princípios. E aqui discordo de outro conceito da “ilha” de Gleiser, que a motivação ciência seja a ignorância. Pretendemos escrever a poesia da realidade, e por amor.

Sob o pretexto de uma verdade absoluta, Gleiser questiona que existam verdades, assim como o a senhora. Aliás, Galileu, um célebre “cavaleiro do apocalipse”, tendo escolhido ridicularizar crendices infundadas, salvaguardava o vigor de sua lucidez, e a postos, quando disse que:

“Io stimo più il trovar un vero, benché di cosa leggiera, che `l disputar lungamente delle massime questioni senza conseguir verità nissuna. / Mais estimo encontrar uma verdade sobre qualquer assunto leve do que entrar em uma disputa longa sobre máximas questões se, atingir verdade nenhuma.”

Mas Galileu também esteve equivocado, como no notório caso dos anéis de Saturno; afinal, com os seus parcos instrumentos de trabalho, mas revolucionários para a época, os discos lhe pareceram como dois astros mais ladeando o planeta. Mas os acertos de Galileu, seu exemplo e vida, valem muito mais do que seus evidentes equívocos – e você poderia ter ao menos intuído isso, por uma questão de justiça.

Enquanto especulamos sobre a planura da Terra estivemos equivocados, mas tratávamos de endereçar a verdade; afinal, a curvatura da superfície terrestre está próxima de zero. Este ‘erro’ refletia as limitações instrumentais para a época, mas, sobretudo as limitações em termos de critérios para o conhecimento. Ainda não havia uma concisa teoria para o conhecimento, nem estatutos, nem recomendações formais, ou uma metodologia para o conhecimento que estabelecesse um universo de validez, indicando a margem de erro esperada no confronto com a realidade. As “verdades” e “leis” eram publicadas com ansiedade e alarde, e, portanto, sem critérios; tudo estava por saber - muito embora não se parecessem nem de perto com os achaques autoritários e arbítrios dos constructos ditos filosóficos.

Mas os tempos mudaram; e mudaram com o filósofo grego Eratóstenes (276-195 AEC), um “gênio do tamanho da Terra”, que seria o primeiro a notar que a longitude das sombras, em relação ao mesmo horário do dia, variava com a latitude onde a medição era procedida. Eratóstenes sabia que no vigésimo primeiro dia do mês de Junho aconteceria o Solstício de Verão na cidade de Siena, e que, precisamente ao meio dia, o Sol brilharia direto dentro de um poço, iluminando “o seu fundo sem que nenhuma sombra se projetasse em suas paredes”; isso enquanto em Alexandria, exatamente na mesma hora, ainda haveriam sombras projetadas sobre a parede. Ele inferiu então que a Terra era esférica, uma revolução para o seu tempo. Com ajuda da trigonometria, considerando a distância entre Siena e Alexandria, o ângulo formado por este arco em relação ao “centro da Terra”, ele calculou a curvatura correta da Terra. Isso foi medido em “passos” e “estádios”, e envolveu “sombras”; tudo muito impreciso, embora engenhoso, perspicaz, apaixonante e científico.

Endereçávamos a verdade com ainda mais acuracidade, ao que hoje podemos adicionar algumas casas decimais, calculando a curvatura da Terra em 0,0000786 por quilômetro. Isso seria crucial para que pudéssemos revisar toda a cartografia da época, e os mapas, palmo-a-palmo, passariam a ser muito mais precisos; a navegação seria revolucionada, e o mundo seria ‘redescoberto’. Tudo isso graças ao gênio e à ousadia de Eratóstenes, apesar do ‘erro’ irremediavelmente incorporado pelas limitações de seu tempo. Agora a Terra era uma “esfera” perfeita, o que também estaria equivocado. Observando os céus e os demais planetas, o gênio investigativo de Newton demonstraria que a massa terrestre em rotação sofreria um acentuado achatamento nos polos. Medidas mais precisas nos permitiriam calcular o grau de elipsidade da Terra. A Terra esferoide seria muito mais próxima de seu passado esférico do que de seu passado plano; evoluímos em termos de gradação de erro. Uma esfera prefeita nos daria uma curvatura em torno de 12,5 cm/km, enquanto a curvatura elíptica varia de fato entre 12,657 e 12,472 cm/km.

Este raciocínio conduzido por Asimov, stricto sensu, nos permite dizer que julgar a Terra esférica é muito mais correto do que considerá-la plana; e tal noção tem enorme impacto sobre nossas vidas. Também podemos dizer que julgar a Terra plana é muito mais incorreto do que julgá-la esférica, com os mesmos e severos impactos sobre o nosso convívio com a ‘realidade objetiva’. E ensinar tais princípios, valorizar o ‘endereçamento’ obstinado da verdade, é muito mais produtivo do que destacar a imprecisão deitada sobre o caminho.

Mesmo o nosso esferoide ‘perfeito’ seria revisado em 1958, quando o satélite Vanguard I entrou na orbitar a Terra. Uma literal vanguarda científica seria capaz de medir a forma da Terra com uma precisão sem precedentes. Descobrimos que nos parecíamos com alguma coisa entre uma ‘pera’ e uma ‘batata’ – flutuando e rodopiando no espaço. Correções da ordem de milionésimos de centímetros por quilômetro foram procedidas, e aqui estamos – graças ao gênio de Eratóstenes.

Vivemos um conflito neuropsicológico de ordem evolutiva, causais, dicotômicos, lineares. Perdidos em uma gangorra de absolutos, tudo ou nada, certo e errado, bom ou mal. A realidade se descortina livre, desimpedida, e precisamos estabelecer parâmetros e bases de compreensão, para conformar avanços ‘objetivos’. O absolutismo, o generalismo, e seu homólogo, o relativismo, tem se prestado ao inconsequente e especioso propósito de justificar medidas autoritárias e dogmáticas, alegando a impossibilidade de exatidão. Pois não seria muito melhor, sempre, acender mais um pequeno lampejo de luz do que tropeçar na escuridão?


TORNAR-SE CIENTE POR ÉTICA, AMOR E ESPERANÇA

Hoje sabemos que a ‘mecânica genética’ de nosso corpo evoluiu para mitigar os erros e mutações em nosso código genético. É isso mesmo, o código genético tem um mecanismo autocorretivo; e desta forma estamos menos sujeitos a mutações drásticas do que estivemos no passado. E podemos dizer que a Ciência conta hoje com o mesmo sofisticado mecanismo: o Método Científico. De forma que a falibilidade assumida da Ciência, de hoje em diante, está muito menos sujeita a erros crassos do que esteve no passado das crenças.

Não é tão importante definir se a aventura científica se estenderá indefinidamente ou não, sendo esta uma que não merece maior interesse; mas, sobretudo, devemos considerar o bem que este honesto procedimento provê, na medida em que, inescapavelmente, ilumina o que antes era escuridão. Muitas vezes, teorias que alcançam o status de revolução científica, não passaram de um conjunto apropriado manipulações e refinamentos de um corpus de conhecimento pregresso. Como quando Copérnico nos levou de um sistema centrado na Terra a um sistema centrado no Sol. Copérnico estava desafiando o que parecia ser óbvio, com algo que soa ridículo. Aristarco e Eratóstenes viveram a experiência.

Portanto, e há algum tempo, vivemos de refinamentos; caso contrário, e considerando a autorregularão e autocorreção científica em voga, uma teoria estapafúrdia teria vida muito curta. Exemplos pífios como a “fusão a frio” não passaram de pseudociência. O que deveria nos alertar ainda mais sobre a necessidade de aprimorar nossos critérios, e não desconsiderá-los – como Gleiser e o “professor” que você plagiou sugerem.

Não está bem claro o que pretende com o seu “comentário obscuro”, mas posso antever o que está por trás: medo e ignorância. Obscuro quando questiona o valor do empenho humano em favor do acumulo de conhecimento comprovado - ou “Método Dedutivo Baseado em Provas” (Popper; ). Verdadeiros livres-pensadores, portanto filósofos ou cientistas, suportam e endossam minhas reflexões, como Paul Valéry, Nietzsche, Onfray, Popper, Russell, Hume, Smith, Einstein, Feynman, Dawkins, Darwin, Schrodinger, Voltaire, Huxley, Sagan – para quem:

“Cada aspecto da Natureza revela um mistério profundo e toca nosso sentimento de admiração e respeito. Teofrasto estava certo. Os receosos do universo, os que pretendem uma visão e conhecimento não existentes de um Cosmos centrado em seres humanos preferem o conforto passageiro da superstição. Eles evitam mais do que confrontam o mundo. Mas, aqueles que com coragem explorarem a trama e a estrutura do Cosmos, mesmo onde este difere profundamente de seus desejos e preconceitos, penetrarão em seus mistérios mais profundos. [...] Não existe outra espécie na Terra que faça ciência. Ela é, até então, uma invenção inteiramente humana, evoluída através de uma seleção natural no córtex cerebral, por uma razão muito simples: ela funciona. Não é perfeita e pode ser mal utilizada. É somente uma ferramenta, mas até agora a melhor que temos, autocorretiva, progressiva, aplicável a tudo. Possui duas regras. Primeira: não existem verdades sagradas; todas as suposições devem ser examinadas criticamente; argumentos de autoridade não têm valor. Segunda: tudo que seja inconsistente com os fatos deve ser rejeitado ou revisto. Devemos compreender o Cosmos como ele é e não confundir isso com como gostaríamos que fosse.” (Sagan; ‘Cosmos’; 1980)

Russell é elegante no endosso a Sagan – que também era filósofo:

“O que é necessário não é a vontade de acreditar, mas o desejo de descobrir, que é justamente o oposto.” – Bertrand Russell

Em uma carta a Hans Mühsam, datada de 09 de julho de 1951, um Einstein bem velhinho observaria:

“Uma coisa eu aprendi em uma longa vida: que toda a nossa ciência, comparada com a realidade, é primitiva e infantil - e ainda assim é a coisa mais preciosa da qual dispomos.”


O RECADO DE NIETZSCHE

Nietzsche; integro intelectualmente, honesto, e preciso... desafia os habitante da torre de marfim:

“O que nos incita a olhar uma metade dos filósofos com desconfiança e a outra metade com ironia, não é o fato de percebemos como são ingênuos, nem como erram e se enganam com facilidade e frequentemente. Não é também sua infantilidade e leviandade que nos chocam, mas a falta de honestidade com que fazem grande alarde de sua virtuosidade, quando se questiona, ainda que superficialmente, o problema de sua sinceridade. Todos fingem ter descoberto e alcançado suas verdadeiras opiniões pelo desenvolvimento de uma dialética pura, fria e impassível, distinguindo-se dos místicos que, mais honestos e menos hábeis, falam de ‘inspiração’. No fundo, sustentam, com argumentos posteriores, uma tese antecipada, uma afirmação arbitrária, provenientes de um capricho, de uma intuição ou de um desejo íntimo e abstrato. Defendem com astúcia e de modo rebuscado os próprios conceitos, empíricos, que batizam de ‘verdades’. Estão muito longe da intrepidez da consciência que confessa a si mesma sua mentira, e muito distantes do valor que se deseja ouvir, seja para advertir um amigo, colocar em guarda o inimigo, ou para ridicularizar a si mesmo. A hipocrisia ríspida e virtuosa com a qual o velho Kant nos leva pelas tortuosas veredas de sua dialética, para nos induzir a aceitar seu imperativo categórico, é um espetáculo que nos faz sorrir e sentir o imenso prazer de descobrir as pequenas e maliciosas sutilezas dos velhos moralistas e dos pregadores da moral. Somemos a isso a charlatanice, pretensamente matemática, com que Espinosa mascara sua filosofia, ou seja, o amor à sua sabedoria, para interpretá-la como lhe convém e assim intimidar, desde logo, a audácia do atacante que tivesse o atrevimento de levantar os olhos para esta virgem invencível, verdadeira Palas Atena. Quanta timidez e vulnerabilidade revela este disfarce de um doente solitário!” - Friedrich Nietzsche (‘Além do Bem e do Mal’; Cap.1, Prop.5; 2006)


EPÍLOGO – LUCIDEZ, O BEM MAIS PRECIOSO

“Aquele que se sabe profundo esforça-se por ser claro; aquele que gostaria de parecer profundo à multidão esforça-se por ser obscuro. Porque a multidão acredita ser profundo tudo aquilo de que não pode ver o fundo. Tem tanto medo! Gosta tão pouco de se meter na água!” – Friedrich Nietzsche (‘A Gaia Ciência’; 2012)

O valor do conhecimento objetivo também é a inescapável questão que o dramaturgo grego Aristófanes (447-385 AEC) nos coloca com requintes de sarcasmo e humor, em sua inteligente e magistral peça ‘As Nuvens’ (423 AEC):

“[...]
Estrepsíades: - Queres dizer que Zeus é uma invenção?
Sócrates: - Zeus? Que Zeus? Não há Zeus. Que Zeus?
Estrepsíades: - Que Zeus? Quem então faz a chuva? Me responde?
Sócrates: - Quem faz a chuva? As nuvens, certamente. A prova, neste caso, é conclusiva: Tu já viste jamais chover com céu sem nuvens? Se fosse Zeus, podia chover com um céu todo claro. Ou não podia?
Estrepsíades: - Podia, é claro. Tens razão, portanto. Tens razão, tens razão, mas eu pensava que Zeus, com um regador, fazia a chuva. Mas ainda há uma coisa: e a trovoada?
Sócrates: - São as nuvens também. Simples processo de convecção. Isto é coisa provada.
Estrepsíades: - Eu muito te admiro, mas confesso: Não é fácil seguir teu raciocínio.
Sócrates: - Escuta, pois. As nuvens o que são? Uma densa de água solução. A tumescência move-se e provoca em consequência a precipitação. E consequentemente com algum esforço então as massas se distendem, e as massas distendidas fazem: Pum! [...]”

Em ‘As Nuvens’ Aristófanes nos apresenta a um personagem, um filósofo chamado Sócrates - provavelmente inspirado no próprio filósofo Sócrates que ainda era vivo à época -, que mantém uma escola de ceticismo. Um fazendeiro das vizinhanças se sai com as habituais perguntas obtusas feitas pelos fiéis, ao que o filósofo responde de forma assertiva e jocosa. O fazendeiro surpreso pergunta - e.g.: “queres dizer que Zeus é uma invenção?”; ao que o filósofo responde irônico: “Zeus? Que Zeus? Não há Zeus.”. O fazendeiro insiste estupefato, afinal, se Zeus não existe, então, quem seria responsável pela chuva? Se não há Zeus, quem manda a chuva para regar as plantações? Convidando o pobre homem a utilizar os seus parcos neurônios, Sócrates destaca que se Zeus pudesse fazer chover, haveria, ou poderia haver, chuva até em céus sem nuvens, e isso nunca acontece. Na verdade o que observamos é que céus repletos de nuvens, e nuvens pesadas, estão diretamente relacionados com a ocorrência de chuvas; de onde o sábio conclui que a causa mais provável das chuvas “são as nuvens”, observando ainda que “isto é coisa provada”.

O fazendeiro concorda surpreso com a astúcia do filósofo, mas insiste, então, que Zeus seria o responsável por colocar as nuvens em posição: “[...] certamente deve ser Zeus”. “Não”, objeta Sócrates, e explica sobre a ação do clima, dos ventos, da temperatura e da humidade. Nesse caso, replica mais uma vez velho rústico, “de onde vêm os raios para punir os mentirosos e os que agem mal?”. Os raios - é gentilmente explicado a ele - “não parecem discriminar justos e injustos”. E de fato, lembrando que frequentemente é noticiado que eles atingem “os templos do próprio Zeus olímpico”... Isso é suficiente para derrotar o fazendeiro; muito embora, e em seguida, ele abjure de sua derrota, demonstrando a mais abjeta falta de reverência, queimando a escola e cuidando para que Sócrates, o sábio, o cético, o professor, o cientistas, estivesse dentro. Assim os seus temores estão aplacados e a sua ignorância pode reinar soberana.

Assim trabalhou a pira funerária quando a tradição conservadora resistiu à verdade inconformada. Conhecemos o padrão. São muitos os livres-pensadores que passaram pelo mesmo, ou escaparam por pouco. Todos os grandes confrontos entre o direito ao livre-pensar e à liberdade de expressão contra a autoridade dogmática, repetiram e repetem a mesma fórmula, e tiveram a mesma sorte: o letal enfrentamento da volúpia filosófica de cunho autoritário e religioso, em apelo ao sobrenatural, e contra a força da mente investigativa.

Vale recordar mais uma vez que Sócrates, o Sócrates histórico, estava vivo, e seria plausível pensar que esta encenação possa de alguma forma tê-lo implicado ainda mais nos episódios que conduziram à sua prisão, julgamento, e condenação à morte - exatamente por desafiar à autoridade dos deuses do Olimpo. ‘As Nuvens’ também podem ter influenciado Lucrécio, o precursor do ateísmo; que, por sua vez, teria servido de influência para Spinoza, e que influenciaria a Jean Meslier, que daria o golpe de misericórdia, para que Nietzsche levasse a fama...

Epicuro sincretizaria e convergiria toda a herança do pensamento racionalista jônico, abderiano, e algo mais... Isso depõe, ainda no século IV AEC, contra toda e qualquer tentativa de contextualização. O livre-pensamento sempre manteve representantes, homens que abraçariam a causa de Leucipo, Demócrito, Epicuro. Lucrécio, o maior herdeiro do epicurismo, bem definiria o enredo de Aristófanes:

“Quem pode girar todas as esferas estreladas e soprar sobre toda a terra o calor frutífero de cima, estar a postos em todos os lugares e todo o tempo, reunir nuvens negras e sacudir o céu plácido com terrível trovão, arremessar raios que muitas vezes destroem seus próprios santuários, se enfurecer no deserto, recuando para exercitar a pontaria, de modo que seus dardos possam errar o culpado e matar o inocente?”

Quem? O cérebro humano, inexato, complexo, em processo evolutivo, e incrivelmente sujeito a ilusões, delírios, e alucinações; isso, além dos conhecidos e diversos ‘Desvios Cognitivos de Confirmação’... Estas são palavras de um filósofo, um poeta ou um cientista? São palavras de um homem verdadeiramente lúcido, livre e pensante. Palavras de uma mente apta, neuropsicologicamente clara e sadia.

Inventamos e zelamos pelo Método Científico, entre outras coisas, porque precisamos testar a nossa lucidez...

Q.E.D. [A resposta de M.S.]

Carlos Sherman

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2016

A CIÊNCIA DO ERRO - Sobre Verdades, Veracidade e Realidade Objetiva (2018)



A CIÊNCIA DO ERRO - Sobre Verdades, Veracidade e Realidade Objetiva
[Uma resposta a Marcelo Gleiser]

Somos todo ignorantes, mas não sobre as mesmas coisas. - Albert Einstein

E poderíamos apendar o célebre pensador ashkenazi para salvaguardar também a escala da ignorância e a gradação do erro associado ao feito - ou desfeito, ou defeito! Somos todos ignorantes, sim, mas não sobre as mesmas coisas, nem no mesmo grau... 

Respondendo a um tal Daniel, enquanto debatíamos sobre a última eleição brasileira, afirmei que sim existem proposições verdadeiras e falsas - não importa o tema. E podemos sim atestar a força, veracidade, ou falsidade, de proposições; e devemos nos preocupar com isso para viver melhor, de forma mais ética e justa - aproximando interpretações e opiniões de fatos. E, contra toda sorte de relativismos oportunistas, podemos ainda dizer que sim existe uma realidade objetiva. Aguardem até o fim e entenderão.

Neste artigo em especial, estarei citando muitos dos homens notáveis, e sobre os ombros dos quais este anão que vos dirige a palavra subiu para ver mais longe... muito mais longe!!!

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Certa feita, o físico Isaac Asimov recebeu uma carta de um licenciado em literatura inglesa, que muito vem ao caso:

Um jovem especialista em literatura inglesa, tendo me citado, passou a me repreender severamente sobre o fato de que, através dos séculos, as pessoas pensavam ter compreendido finalmente o universo, e através dos séculos ficou provado que estavam errados. Isso significava que a única coisa que podemos dizer sobre o nosso conhecimento ‘moderno’ é que ele está errado. - Isaac Asimov (A Relatividade do Erro; 1989)

Ele brilharia em sua resposta:

Quando as pessoas pensavam que a Terra era plana, estavam erradas. Quando as pessoas pensavam que a Terra era – ‘exatamente’ [grifo meu] - esférica, estavam erradas. Mas, se você considera que ‘pensar que a Terra é esférica é tão errado quanto pensar que a Terra é plana’, então a sua visão está mais errada do que as duas juntas. - Ibidem

Asimov explicaria ainda que as pessoas estão sempre em busca de certezas absolutas, ou negações absolutas. Agrego que as pessoas estão platonicamente aprisionadas em uma falsa noção de perfeição; de forma que, se alguma coisa não é "exatamente" ou "absolutamente" perfeita, então ela estará totalmente errada; e isso não nos leva a nada. Existem gradações de erros, sentenças verdadeiras e falsas; e a ostentação de verdades absolutas somente serve ao propósito de turvar a visão crítica diante da realidade objetiva – à qual Gleiser [o Marcelo] chama pejorativamente de "objetvismo"; impedindo que possamos diminuir a confusão reinante, e mesmo optando por posições mais acertadas do que outras.

"Objetivismo" é particularmente abjeto, irresponsável, e injustificável, partindo de alguém que alega pensar de forma racional; sempre lembrando que um tapa na cara da racionalidade corresponde a um tapa na cara da verdade... Podemos sim endereçar a verdade, sendo este o propósito da investigação científica - muito embora não seja a sua fonte de inspiração... Somos inspirados pela beleza da vida, por nossas paixões, amores, e pela devoção a estes amores e princípios. E aqui discordo de outro conceito da “ilha” de Gleiser ('A Ilha do Conhecimento – Os Limites da Ciência e A Busca Por Sentido'; 2015) quando alega que a motivação científica seja a "ignorância". Na verdade, pretendemos escrever a poesia da realidade - e por amor!

Aquele que se sabe profundo esforça-se por ser claro; aquele que gostaria de parecer profundo à multidão esforça-se por ser obscuro. Porque a multidão acredita ser profundo tudo aquilo de que não pode ver o fundo. Tem tanto medo! Gosta tão pouco de se meter na água! - Friedrich Nietzsche (A Gaia Ciência; 2012)

Sob o pretexto de uma tal "verdade absoluta", Gleiser questiona a existência de verdades - assim como o professor de literatura de Asimov. Gleiser alega procurar "sentido em sua vida", disparando contra a CIÊNCIA, contra o conhecimento... Mas não demonstra mais do que suas próprias e covardes limitações. Aliás, Galileu, célebre “cavaleiro do apocalipse”, tendo escolhido ridicularizar crendices infundadas com as de Gleiser, salvaguardaria o vigor de sua lucidez - e a postos - quando disse que:

Io stimo più il trovar un vero, benché di cosa leggiera, che `l disputar lungamente delle massime questioni senza conseguir verità nissuna. / Mais estimo encontrar uma verdade sobre qualquer assunto leve do que entrar em uma disputa longa sobre máximas questões sem atingir verdade nenhuma. - Galileu Galilei

Mas Galileu também esteve equivocado algumas vezes, como no notório caso dos anéis de Saturno; afinal, com o seu parco instrumento de trabalho, os discos lhe pareceram dois astros mais ladeando o planeta. Mas os acertos de Galileu, seu exemplo e vida, valem muito mais do que seus evidentes equívocos – e Gleiser deveria saber disso.

Por exemplo, enquanto especulávamos sobre a planura da Terra estivemos equivocados; mas tratávamos de endereçar a verdade, afinal a curvatura da superfície terrestre está sim próxima de zero. Este erro refletia as limitações instrumentais para a época; mas também, e sobretudo, refletia as limitações em termos de critérios para o conhecimento. Ainda não havia uma concisa teoria para o conhecimento, nem estatutos, nem recomendações formais, ou uma metodologia para o conhecimento que estabelecesse um universo de validez, indicando a margem de erro esperada no confronto com a realidade. As "verdades" eram publicadas com ansiedade e alarde; e, portanto, sem critérios. Tudo estava por saber, e não sabíamos ao certo como saber.

Mas os tempos mudaram, e mudaram com o filósofo grego Eratóstenes (276-195 AEC), um “gênio do tamanho da Terra”, que seria o primeiro a notar que a longitude das sombras em relação ao mesmo horário do dia variava com a latitude onde a medição fosse procedida. Eratóstenes sabia que no vigésimo primeiro dia do mês de Junho aconteceria o Solstício de Verão na cidade de Siena; e que,precisamente ao meio dia o Sol brilharia direto dentro de um poço, iluminando “o seu fundo sem que nenhuma sombra se projetasse em suas paredes”; isso, enquanto em Alexandria exatamente à mesma hora ainda haveriam sombras projetadas sobre a parede.

Eratóstenes inferiria, então, que a Terra deveria ser esférica; uma revolução para o seu tempo. Com ajuda da trigonometria, considerando a distância entre Siena e Alexandria e o ângulo formado por este arco em relação ao “centro da Terra”, ele calculou a curvatura correta da Terra. Isso foi medido em “passos” e “estádios”, e envolveu “sombras”; tudo muito impreciso, embora engenhoso, perspicaz, apaixonante e científico...

Endereçávamos a verdade com ainda mais acuracidade, ao que hoje podemos adicionar algumas casas decimais, calculando a curvatura da Terra em 0,0000786 por quilômetro. Isso seria crucial para que pudéssemos revisar toda a cartografia da época; e os mapas, palmo-a-palmo, passariam a ser muito mais precisos, a navegação revolucionada, e o mundo redescoberto. Tudo isso graças ao gênio e à ousadia de Eratóstenes; e apesar do erro irremediavelmente incorporado pelas limitações de seu tempo.
A ciência, meu rapaz, é feita de erros, mas estes são erros uteis de serem cometidos, pois nos conduzem pouco a pouco à verdade. - Jules Verne (Viagem ao Centro da Terra)

Agora a Terra era uma “esfera” perfeita, o que também estaria equivocado por algum tempo. Observando os céus e os demais planetas, o gênio investigativo de Newton demonstraria que a massa terrestre em rotação sofria um acentuado achatamento nos polos. Medidas mais precisas nos permitiriam calcular o grau de elipsidade da Terra. A Terra esferoide ainda seria muito mais próxima de seu passado esférico do que de seu passado plano - e diminuindo a gradação de erro. Uma esfera prefeita nos daria uma curvatura em torno de 12,5 cm/km, enquanto a curvatura elíptica varia de fato entre 12,657 e 12,472 cm/km. Estávamos chegando lá!

Este raciocínio conduzido por Asimov, lato sensu, nos permite dizer que julgar a Terra esférica é muito mais correto do que considerá-la plana; e tal noção tem enorme impacto sobre as nossas vidas. Também podemos dizer que julgar a Terra plana é muito mais incorreto do que julgá-la esférica, com os mesmos e severos impactos sobre o nosso convívio com a realidade objetiva. E ensinar tais princípios, valorizar o endereçamento obstinado da verdade, é muito mais produtivo do que destacar a imprecisão deitada sobre o caminho...

Mesmo o nosso esferoide perfeito seria revisado em 1958 quando o satélite Vanguard I entrou na orbita da Terra. Uma literal vanguarda científica seria capaz de medir a forma de nosso planeta com uma precisão sem precedentes. Descobrimos que nos parecíamos com alguma coisa entre uma pera e uma batata – flutuando e rodopiando no espaço. Correções da ordem de milionésimos de centímetros por quilômetro foram procedidas, e aqui estamos – graças ao gênio de Eratóstenes!

Vivemos um conflito neuropsicológico de ordem evolutiva; somos causais, dicotômicos, lineares, animistas, essencialistas, intencionalistas, maniqueístas, e tateamos assustados no terceiro milênio, utilizando cérebros de 150.000 anos, adaptados à savana africana... Vagamos perdidos em uma espécie de gangorra de absolutos, tudo ou nada, certo e errado, bom ou mal. Mas a realidade se descortina livre, desimpedida, e precisamos estabelecer novos parâmetros e bases de compreensão para conformar avanços objetivos. O absolutismo, o generalismo, e seu homólogo, o relativismo, tem se prestado ao inconsequente e especioso propósito de justificar medidas autoritárias e dogmáticas, alegando a impossibilidade de exatidão. Pois não seria muito melhor sempre acender mais um pequeno lampejo de luz do que tropeçar na escuridão?

Hoje sabemos que a mecânica genética de nosso corpo evoluiu para mitigar os erros e mutações em nosso DNA. É isso mesmo, o código genético tem um mecanismo autocorretivo, e desta forma estamos menos sujeitos a mutações drásticas do que estivemos no passado. E podemos dizer que a Ciência conta hoje com o mesmo sofisticado mecanismo: o Método Científico o Método Dedutivo Baseado em Prova (Popper). De forma que a falibilidade assumida da Ciência de hoje em diante está muito menos sujeita a erros crassos do que esteve no passado das crenças.

[...] talvez a Terra seja esférica agora, mas um cubo no próximo século, e um icosaedro oco no próximo, e com a forma de donuts no seguinte. O que ocorre, na realidade, é que quando os cientistas consegue elaborar um bom conceito, eles gradualmente o refinam e ampliam, com crescente sutileza, à medida que seus instrumentos de medição melhoram. As teorias não estão tão equivocadas, mas incompletas. – Isaac Asimov (Ibidem)

Não é tão importante definir se este valoroso processo se estenderá infinitamente ou não, absolutamente ou não; mas, sobretudo, devemos considerar o bem que este honesto trabalho provê; na medida em que inescapavelmente ilumina o que antes era escuridão. O importante não é a perfeição, senão progressar... Assim, em 250 anos de maturidade científica, triplicamos a expectativa de vida - adormecida desde o Homem de Cromagnon, há 50.000 anos -, reduzimos em quarenta vezes a mortalidade infantil, e a violência em cem vezes... enquanto a população foi multiplicada sete vezes...

Hoje, muitas teorias que alcançam o status de revolução científica não passam de um conjunto apropriado manipulações e refinamentos de um corpus de conhecimento pregresso; como quando Copérnico nos levou de um sistema centrado na Terra para um sistema centrado no Sol. Copérnico estava desafiando o que parecia ser óbvio com algo que soava ridículo. Aristarco de Samos e Eratóstenes viveram a mesma experiência... O personalismo do empenho científico também cedeu lugar ao trabalho independente de grupos e escolas, promovendo conclusões conscilientes.

Normalmente, e há algum tempo, vivemos de refinamentos; caso contrário, e considerando a autorregularão e autocorreção científica em voga, uma teoria estapafúrdia teria vida muito curta. Exemplos pífios como a “fusão a frio” não passaram de pseudociência, e não resistiram o crivo científico mais elementar. Isso nos deveria alertar ainda mais sobre a necessidade de aprimorar nossos critérios, e não desconsiderá-los – como Gleiser e o “professor de literatura” sugerem.

Voltando a Copérnico, e por mais que a proposição heliocêntrica parecesse revolucionária, toda este alvoroço não passou de um problema político-religioso – da alçada do “absoluto” e do “absolutismo”. Cientificamente, no entanto, tratava-se de um refinamento teórico em relação aos movimentos dos já conhecidos corpos celestes. Seria a autoridade religiosa Católica, expressa em seu "livro negro" ou Index, quem elevaria o trabalho de Copérnico à condição de heresia - sete décadas depois de sua publicação em 1616, e lá permanecendo até 1822; mas já era tarde, e o estrago já estava feito...

Copérnico pretendia apenas encontrar um modelo que melhor acomodasse a realidade de suas observações celestiais. Neste caso, e em especial, apesar de toda a gambiarra incorporada ao modelo aristotélico-ptolomaico, a sobrevivência do antigo - “salvando a teoria” platonicamente - só seria possível, e por tanto tempo, devido à força da autoridade político-religiosa vigente.

A Teoria da Evolução enfrentaria os mesmos credos e as mesmas barricadas:

[...] as formações geológicas terrestres mudam muito lentamente, assim como os seres vivos evoluem tão lentamente, que parecia razoável no início supor que não haviam mudanças, e que a Terra e a Vida sempre existiram como são até hoje. Sendo assim, não faria diferença se a Terra e a Vida tivessem bilhões de anos de antiguidade, ou somente milhares. Milhares era mais fácil de compreender. - Ibidem

A exemplo do entendimento sobre a curvatura terrestre, quando medições mais precisas revelaram que a Vida evoluía em um ritmo muito lento, porém vigoroso, pudemos aprofundar também a compreensão sobre a idade da Vida. Nasciam a Geologia Moderna, a Evolução, e a Biologia.

É apenas porque a diferença entre taxa de variação em um universo estático e a taxa de variação em um universo em evolução está entre zero e muito próximo de zero que os criacionistas podem continuar a propagar seus disparates. - Ibidem

O raciocínio também se aplica ao mundo dos micro-organismos. Um mundo de escalas invisível estava escondido de nós; e toda sorte de crendice seria erigida para preencher as lacunas diminutas hoje ocupadas pela Microbiologia. Cotidianamente, usávamos dizer – e muitos ainda o fazem: “menino, não tome esta friagem porque você vai ficar gripado”. Recentemente ouvi tal disparate de uma amiga microbiologista, para quem o filho descalço resultaria resfriado. Tratei de recordá-la de dois aspectos: primeiro, como microbiologista, ela estava obrigada a bem conhecer a origem viral de gripes e resfriados; depois, como bióloga, seria imperdoável que ela não recordasse que a seleção natural jamais teria poupado nórdicos, russos, além dos inuits, se tal conjectura fosse minimamente possível.

Os "sábios" conselhos da dita "medicina popular" ou "medicina alternativa"  estão todos sub judice depois que a ciência adentrou o mundo secreto dos microrganismos, e ajustando a sua escala para uma compreensão profunda e necessária da natureza: a realidade em uma placa de petri... Deuses e tradições evaporavam no ar, enquanto a Ciência aprimorava seus métodos e instrumentos e reduzia suas escalas. O caminho estava aberto para a descoberta dos antibióticos, vacinas, medicamentos... e mais vida - a partir da vida obstinada de homens como Pasteur.

O gap entre o conhecimento disponível no acervo científico humano e a nossa práxis popular é gigantesco. Com a desculpa de que "não sabemos tudo" permanecemos proibidos de saber, ou "sem saber nada" sobre quase tudo. Apenas tangenciávamos a realidade; mas não éramos capazes ou encorajados a mergulhar nesta maravilhosa realidade... Na POESIA DA REALIDADE! Quando escrevi FIAT LUX - O Homem, Memória do Universo estabeleci como missão colateral interessar meus leitores pela realidade, despertando a curiosidade em conhecê-la por dentro.

O conhecimento científico disponível está muito mais perto de um eventual conhecimento último - em cada uma das fronteiras do conhecimento – do que o fulano médio está da linha de largada para o conhecimento do ensino fundamental. A maioria de nós sequer começou a jornada do conhecimento, e sequer chegou na marca onde diz: ZERO.

O físico Marcelo Gleiser diz que o conhecimento é como uma “ilha” em meio ao desconhecido; e que quanto mais esta “ilha” cresce maior serão as suas fronteiras. É verdade. Mas quanto mais esta ilha do que é conhecido cresce, por mais que hajam novas fronteiras, menor será o espaço lá fora - ou daquilo que ainda não conhecemos. Afinal, o Universo é finito, assim como finita é a sua estrutura.

Hoje, ainda podemos chutar uma pedra sem ressalvas, mas pensaremos duas vezes antes de pisar em uma formiga ou esmagar um mosquito, e jamais consideraremos a hipótese de maltratar um cãozinho. Estas são conquistar recentes, afinal aprendemos sobre a complexidade dos sistemas neurais, e sabemos que muitos seres vivos sentem dor e vivenciam o sofrimento neuropsicológico.

Por isso, avançamos sobre o oceano de ignorância que nos cercava - arbitrado pela crença de que o homem era uma espécie de “escolhido”, e sendo o único sujeito à dor. Ainda assim, na Bíblia e em Aristóteles, alguns homens são mais escolhidos do que outros, e a escravidão é amplamente aceita e recomendada. Matar um infiel - na Bíblia e no Corão - é antes um dever... Pelo humanismo, pela iluminação científica, sabemos que isso não é correto. Tais fronteiras não aumentaram a nossa ignorância, mas certamente abriram novas fronteiras dentro da “ilha”.

O conhecimento avança, e a região inexplorada recua [...] com nosso conhecimento expandido. – Linda Randall

Um dia, este espaço tomado pelo desconhecido representou a diferença entre morrer na selva de dor de dente aos 23 anos ou ministrar uma dose de 500 mg de Cloridato de Tetraciclina, e voltar a sorrir por mais 40, 50, 60 anos. O importante não é chegar ao fim, mas seguir em frente, viver a viagem, viver uma vida digna, útil, e prazenteira; contribuindo como parte de um organismo maior chamado: Humanidade.

Gleiser insiste, sob o tendencioso pretexto de que a Ciência não poderá ser exata ou completa, que uma tal “espiritualidade” ainda mais inexata e na verdade “irreal” poderá ser invocada para preencher tais lacunas.

Uma balança mede o nosso peso com precisão dada pela metade de sua menor graduação: se a escala é espaçada por 500 gramas, só poderemos aferir o nosso peso com precisão de 250 gramas. Não existe medida exata: toda medida deve ser expressa dentro da precisão do instrumento usado e o faz com ‘barras de erros’. [...] uma medida de 70 quilos deve ser expressa como 70 +/- 0,25 kg [...]. Não existem medidas perfeitas, sem erro. - Marcelo Gleiser (A Ilha do Conhecimento)

Sim, mas e daí? Uma balança caseira de precisão de uma ou duas casas decimais está sob um crivo mais frouxo em termos científicos; mas quanto mais ciência mais exatidão. Medimos a temperatura média do Universo com precisão de 5 casas decimais. Não há como ser "exato", "absoluto", mas e daí? Indicar a margem de erro é uma lição Ética da Ciência e não o contrário. Deus e a religião não indicam suas margens de erro; e seus fies seguidores simplesmente justificam isso alegando que "o absoluto a deus pertence", ou é “incognoscível”... Mas não precisamos da perfeição, já que a natureza e o universo emergem da imperfeição e da diferença. O argumento de Gleiser é pois meramente platônico.

Asimov concordaria com isso, e tem algo mais a dizer sobre a Ciência e a escuridão:

Existe apenas a Luz da Ciência, e acendê-la em qualquer lugar é como acendê-la em todos os lugares. - Isaac Asimov (A Relatividade do Erro)

Em busca do exato, do absoluto, do “espiritual”, nos esquecemos ou simplesmente desconhecemos sobre a existência de gradações de erro - uma falibilidade assumida na atitude científica, e sendo essa sua maior fortaleza, e não o contrário. Saber de tudo, repito, é um agravante religioso, e não científico. Esta atitude covarde ou amedrontada diante da vida, politicamente ou falsamente "correta", orquestrada ou não, é o que mais prejudica o avanço científico e humano.

Quem pensa ver algo sem falhas, pensa naquilo que nunca existiu, que não existe, e que nunca existirá. - Alexander Pope

O vigoroso e genial físico Richard Feynman dá o seu depoimento:

Um princípio de pensamento científico corresponde a uma espécie de honestidade incondicional [...].

É esta honestidade incondicional ou Ética que reside no Ceticismo Científico; confrontando a vacuidade das crenças e os discursos persuasivos, que trabalham nas sombras e em favor de mentiras, interesses e sandices. Isso porque as crenças se baseiam apenas na caprichosa, débil ou vã vontade de acreditar. Não se pode, de forma alguma, comparar a nobre atitude de tornar-se ciente pelo confronto de hipóteses sérias e consequentes com a realidade, com a autoridade especiosa de velhas ou novas convicções.

Não se pode usar como desculpa a falibilidade assumida da ciência para validar crenças. Uma verdade científica tem uma validez e universo de aplicação, assim como seu erro assumidamente demarcado, e que estará sob crivo constante, acirrada revisão, e variada fiscalização, sendo esta a maior fortaleza da Ciência, e não o contrário - repito...

Sobre a pretensa critica ao erro científico, devo reagir lembrando que dogmas religiosos não podem ser revistos, e por isso mesmo sua defesa se faz com cinismo, agressividade, violência; e no passado médio, por meio dos artefatos do terror "inquisitório". Asimov nos ensinou sobre a relatividade do erro e não da VERDADE...

E insisto que nenhum debate dito filosófico ou político – e sob nenhum pretexto - estará isento da necessidade de entender antes sobre a'realidade e os subsequentes parâmetros que regem a nossa tênue lucidez neuropsicológica. Inventamos a Ciência, em última análise, para testar a nossa própria lucidez!

Nossa mente evoluiu pela seleção natural para a adaptação, e não para a busca da verdade. - Steven Pinker (Como a Mente Funciona; 2003)

Um anúncio afixado diante de uma igreja batista americana da seita New Canaan [ou Nova Canaã], alertava no terceiro milênio:

Um livre pensador é um escravo de Satan.

Sei que Gleiser alegará que esta congregação é doentia, ou que ele não fala “desse tipo de espiritualidade”, mas crimes contra a liberdade de pensamento sempre estão associados à religião.

Com ou sem religião, pessoas boas podem se comportar bem e as pessoas ruins podem fazer o mal; mas para que pessoas boas façam o mal, elas precisam de religião. - Steven Weinberg (discurso em Washington em 1999)

Sobre os “limites do conhecimento”, Asimov desafia:

Se o conhecimento pode nos trazer problemas, não será através da ignorância que iremos resolvê-los.

Gleiser insiste na escuridão científica justificada por sua inexatidão e reducionismo, mas tolera sem pesos ou medidas uma tal “espiritualidade”. Convido a advertência de Sagan no adágio de abertura de seu inesquecível O Mundo Assombrado por Demônios:

É melhor acender uma vela do que praguejar contra a escuridão.

Por que escrever uma obra para ressaltar os limites da Ciência, se as fronteiras continuam “dentro da ilha”? E como Gleiser citou a Lucrécio - inestimável livre pensador - de forma desonesta, eu respondo também com Lucrécio:

Assim como as crianças tremem e têm medo de tudo na escuridão cega, também nós, à claridade da luz, às vezes tememos o que não deveria inspirar mais temor do que as coisas que aterrorizam as crianças no escuro. - Titus Lucretius Carus (De Rerum Natura [ou Sobre a Natureza das Coisas]; 60 AEC)

Devo lembrar a Gleiser que Lucrécio foi o verdadeiro algoz histórico dos deuses, sendo seguido por Jean Meslier, para que Nietzsche levasse a fama. Mas existem verdades? Existe uma verdade absoluta? A primeira questão é objeto de trabalho da Ciência, a segunda parte de pressupostos fechados e dogmas religiosos; mas podemos sim afirmar que existem verdades, existem asserções verdadeiras, assim como proposições mais corretas do que outras, e diferentes gradações de erro. E sabemos disso com ainda mais segurança depois de Tarski, Russell, Frege, Popper, Sagan e Asimov...

O filósofo e matemático alemão Friedrich Frege (1848-1925) escreveria – abrindo os trabalhos:

Entendo por pensamento não o ato subjetivo de pensar, mas o seu conteúdo objetivo.

Um pensamento é fruto inescapável do processamento neural; e será por meio da linguagem que trataremos de manifestar o seu conteúdo ou objeto. A linguagem é inata, hoje sabemos, mas a escrita não. O filósofo e matemático polonês Alfred Tarski (1901-1983) solucionaria o problema da correspondência entre uma proposição formulada pela linguística e a realidade; e o fez de forma surpreendentemente simples, intuitivamente satisfatória, e irrefutável.

Tarski focou na formulação semântica de proposições:

A sentença (T) é verdadeira se, e somente se, o que ela diz é verdade.

Onde T seria a Convenção de Tarski.

Imagine que você e eu estamos contemplando uma bela cadeira vermelha, estilo Luis XV - exatamente como esta bem ao lado da lareira em minha sala. A proposição “Esta cadeira é vermelha” seria verdadeira se e somente se “esta cadeira” for vermelha. Isso me parece lógico! Ou não? E óbvio! O que você acha?

Então qual foi a contribuição de Tarski? A sacada de Tarski foi eliminar nebulosidades semânticas, preocupando-se em formatar de maneira objetiva a formulação das sentenças ou proposições, e evitando truques, hipérboles, verbosidades e falácias retóricas. Para isso ele utilizou os conceitos de “objeto” ou conteúdo, “verdade” ou veracidade, “metalinguagem”, “metalinguagem semântica” e “linguagem-objeto”. Por exemplo: se tomamos o português como metalinguagem e o inglês como linguagem-objeto, e o seguinte objeto “the dog is sleeping", então poderíamos formular a seguinte sentença em nossa metalinguagem semântica: A proposição do inglês (linguagem-objeto) “the dog is sleeping” (objeto) corresponde aos fatos (é verdadeira) se e somente se o cachorro está dormindo.

A verdade começa por uma formulação semântica adequada que permita a sua comprovação ou refutação. O que está vago e mal definido não pode ser confrontado com a realidade. E se existe uma metalinguagem na qual podemos apresentar proposições, descrever fatos, então também será possível, e de forma trivial, estabelecer a correspondência entre fatos e proposições - endereçando assim a verdade ou a veracidade de sentenças e argumentos. Isso, e bastando alguma honestidade retórica e integridade intelectual - conforme acentuado por Feynman - nos leva à atitude científica...

A Convenção de Tarski (T) pode ser formalmente descrita por:

(T) X é verdadeiro se, e só se, p; onde p é o predicado que pretendemos validar para a sentença X

O exemplo utilizando uma linguagem-objeto em inglês serviu para conter eventuais arroubos relativistas de ordem inter-linguística ou ainda intercultural. Vale repetir que a construção linguística é inata; em milhares de dialetos e diferentes linguagens em todos os tempos e lugares sempre estiveram presentes as figuras do sujeito, verbo – ou ação -, substantivo e predicado; já o vocabulário e as regras gramaticais precisarão ser aprendidos - e à duras penas.

Observem que o predicado “[...] corresponde aos fatos” ou “[...] é verdade” está protegido pela metalinguagem, não importando se algum dialeto por ventura venha a evitar esta vital caracterização... Sendo assim “[...]” ou “X” poderá ser definido nos termos de qualquer linguagem-objeto; então, enfoquemo-nos na verdade, e utilizando como linguagem-objeto a nossa própria língua vernácula: o português.

E neste ponto ficará evidente a motivação por trás da incessante busca por proposições verdadeiras ou positivas na Ciência. E vamos com o eminente Karl Popper:

De uma classe (ou um sistema) de proposições, que são todas verdadeiras, nenhuma proposição falsa pode ser assumida.

Enquanto os postulados religiosos ou “espirituais” dormem em berço esplendido, percebam o cuidado em estabelecer os contornos da verdade ou da veracidade. Isso implica que, embora deus seja um bolso cada vez mais vazio, e enquanto reduzimos inequivocamente o oceano de ignorância, ainda assim não poderemos apenas por princípio descartar a existência de deuses ou do “unicórnio cor-de-rosa”.

De teorias (sistemas de proposições) que concordem com os fatos, não se pode derivar nenhuma proposição lógica que não concorde com os fatos. - Karl Popper

Esta importante regra, que de fato perfaz uma atitude ética, explica por que em Ciência efetivamos proposições positivas e nunca negativas. “A Terra descreve uma orbita fechada – ou captiva - em torno do Sol” é uma proposição científica; mas “não existem gnomos empurrando a Terra” não é – por mais que saibamos ser uma proposição lúcida. Podemos invalidar ou provar a falsidade de uma proposição positiva; e.g, “a Terra é plana e está assentada sobre colunas” é uma proposição científica e também é inteiramente falsa, mas “a Terra não é verde” não nos leva a lugar algum.

Claro que existe o fato da vida finita, de forma que o fator tempo a perder estará sempre em jogo, assim como a questão da prioridade ou utilidade: Cui bono?. Ou seja, não podemos cientificamente e em princípio negar a existência de Tupã; mas podemos considerar a busca pela sua existência uma tremenda idiotice quando confrontamos a mais absoluta falta de evidências; isso, além do flagrante conflito com proposições já demonstradas como: “culturas primitivas praticaram o animismo” ou “culturas primitivas desconhecedoras do ciclo da chuva,cortaram gargantas e fizeram danças rituais para que chovesse”. E daí a escolha é sua!

As filhas do sumo sacerdote Anius transformavam o que quisessem em trigo, óleo em vinho. Atalida, filha de Mercúrio, ressuscitou diversas vezes. Esculápio ressuscitou Hipólito. Hércules resgatou Alceste da morte. Heres retornou ao mundo após passar uma quinzena no inferno. Os pais de Rômulo e Remo eram um deus e uma vestal virgem. O Paládio caiu do céu na cidade de Tróia. O cabelo de Berenice se tornou uma constelação. [...] Dê-me o nome de um povo em meio ao qual incríveis prodígios não aconteceram, especialmente quando poucos sabiam ler e escrever. - Voltaire (Questões Sobre os Milagres; 1770)

A Teoria da Verdade como Correspondência nos assegura que um pensamento pode ser considerado verdadeiro se a proposição que formula este pensamento é verdadeira. Proposições gerais ou universais devem ser encaradas como fundamentalmente hipotéticas, mesmo que possam ser verdadeiras. E por isso é tão importante o caráter científico ao reduzir seus problemas e limitar suas proposições, já que buscamos o acercamento e o endereçamento da verdade. Começando humildemente, poderemos construir proposições verdadeiras de grosso calibre, com no caso do Modelo Padrão.

A Metodologia Científica é um sério e consequente conjunto de recomendações, ao que Gleiser jamais poderia haver chamado de cientismo... O que é isso? E cientistas não passam de homens neuropsicologicamente curiosos, obstinados, talvez ousados, e certamente sem temores conservadores; homens buscando a verdade e falhando em encontrá-la – mas inexoravelmente atidos a ela. E falhando poderemos aprender, e recomeçar; o que parecia ser uma potencial falsificação da teoria newtoniana da gravidade no caso da orbita calculada para Urano nos levou ao descobrimento de Netuno.

Mas voltemos à verdade, voltemos à minha cadeira vermelha, afinal você pode estar esperando para me desbancar. Então temos a seguinte proposição devidamente formatada, uma questão semântica que pode ser submetida ao escrutínio da ciência: “Esta cadeira é vermelha” é uma proposição verdadeira se, e somente se, esta cadeira é vermelha.

Mas como podemos assegurar que o vermelho que você vê é o mesmo que eu vejo? E como poderemos definir o que é ou não vermelho? Simples: imaginem vocês que providencialmente eu trago comigo um espectrofotômetro; um daqueles aparelhos que medem a frequência dentro do espectro eletromagnético, podendo exprimir a cor em um número objetivo dentro do sistema decimal, medido em comprimento de onda ou frequência - não importando que sejamos daltônicos, portadores de catarata ou icterícia. Através de uma singela convenção linguística concordaremos que comprimentos de onde dentro de determinada faixa do espectro eletromagnético nos leva por correspondência simples ao termo em português "vermelho".

Uma psicóloga amiga me interpelou neste ponto: "Mas cálculos matemáticos são exatos?" Devo dizer que sim, lato sensu, mesmo que esse não seja o caso aqui! Mas entendo a confusão dela - stricto sensu. Ela, vocês e Gleiser estão interessados no erro referente a esta medição; afinal, este é um equipamento desenvolvido por físicos e engenheiros para medir o espectro da luz visível. Um equipamento vendido pela Internet, e que apresenta um valor objetivo em um display LCD, com uma precisão de 0,15 DE, levando apenas alguns segundos para calcular o resultado. E se for discutir sobre cognição e cores, esteja segura de conhecer os conceitos básicos relativos às disciplinas correlatas.

Diante de situações cotidianas como esta, me preocupo em entender como um experimento tão trivial suscita tanta contestação e controvérsia. Qualquer crendice, qualquer afirmação descabida, tem maior respeito, autoridade e aceitação do que o conhecimento objetivo de fenômenos naturais. Será o sistema educacional? Será a relativização filosófica? Serão tendências neuropsicológicas? Ou a conjunção sistêmica de todos estes fatores? Certamente não se trata de um problema relativo às “limitações da ciência” – como afirma Gleiser... Outras limitações e outras fronteiras estão em jogo; todas elas devidamente estudadas pela Neurociência Cognitiva.

Consideremos algumas variantes do Paradoxo do Mentiroso, sendo a mais antiga que se tem notícia a versão do jônico Eubulides de Mileto, sucessor de Euclides de Mégara, ainda no século VI AEC:

Um homem diz que ele está mentindo. O que ele diz é verdadeiro ou falso?

Ainda no século VI, o paradoxo também foi associado a Epimenides de Creta, que teria dito:

Todos os cretenses são mentirosos.

Um tal "São Jerônimo" teria aplicado o conceito a David, quando afirma nos samos bíblicos que:

[...] Todos os homens são mentirosos. - Salmos [116:11]

Trata-se apenas de um truque lógico, com uma confissão moral... Teofrasto, sucessor de Aristóteles, escreveria três rolos de papiro sobre este "paradoxo", e Crisipo mais seis. Todo este trabalho e toda esta perda de tempo silogística seriam enterrados pelas areias do tempo. Esta antinomia prova que um argumento pode parecer lógico embora seja falso; e por vezes, como é o caso, ridículo...

Esta frase não é verdade.

Verdadeiro ou falso? Logicamente astuto, moralmente pouco recomendável ou desonesto. Tarski salientou que o truque fundamental do Paradoxo do Mentiroso reside no uso de uma linguagem semanticamente fechada ou negativa – conforme já foi explicado. E provar a inexistência constitui um absurdo lógico, como já sabemos. Mas devemos fundar aqui pelo menos duas ressalvas. Quando Sagan diz:

A ausência da evidência não significa evidência da ausência.

Faço a seguinte ressalva, anuindo e ampliando:

A ausência de provas não é prova da ausência; muito menos da existência.

Os argumentos contra a existência de propósitos morais para o universo são vastos e fortes. E não existem argumentos em favor de propósitos morais religiosos que não tenham sido invocados por meio de mentiras, fraudes, falácias retóricas e engôdos semânticos... Nenhuma comprovação, nenhuma pista, nada! Por que devemos considerar religiões – qualquer uma – como um domínio de conhecimento?

O Universo e a Vida estão desenhados pela aleatoriedade e pela involuntariedade - quer gostem ou não. Podemos inventar opiniões, mas não poderemos inventar fatos; não impunemente! E sem provas, fatos ou evidências não existe de fato conhecimento algum.

O que pode ser afirmado sem provas também pode ser rejeitado sem provas. – Christopher Hitchens

Ao que também concordo e amplio:

O que é afirmado sem provas pode e deve ser rejeitado.

Finalmente:

Quem nada sabe em tudo crê. – Jan Neruda

Isso opõe Ciência e religião, e não as nivelas - nunca... Contemple e observe o Universo como ele realmente é, e maravilhe-se com isso; e ensinemos aos nossos filhos como encarar as suas próprias fronteiras sem verdades absolutas, nem mentiras politicamente corretas, ou “alívios” que obliterem a LUCIDEZ. Considere a aterrorizante possibilidade de que um ser humano, saudável por natureza possa estar privado de vivenciar a realidade? Considere a possibilidade do desperdício desta vida? Deus é um argumento autocontraditório, embora pareça tranquilizador; mas não nos liberta como humanos plenos. Nas célebres palavras de Cornelius Tácitus:

Tranquilitas non Libertas.

Ao que eu modestamente agregaria:

Tranquilitas non Veritas.

Quando nos curvamos à autoridade, ou nos entregamos ao mero solipsismo, sem a submeter as nossas proposições ao exame de sua pertinência, estaremos potencializando problemas de toda sorte nas mais diversas áreas. Algumas disciplinas estão fundadas sobre falácias, e vivem da autoridade e da idolatria, e impulsionadas pelo historicismo - como a filosofia social, política, religiosa ou de relações humanas.

Diferentes modalidades de fascismos pipocaram nas mãos de líderes carismáticos, messiânicos e totalitários. Devotos e arrebanhados em torno de uma tal identidade nacional, estatal, racial ou religiosa, foram convocados à luta derradeira contra alguma entidade metafísica, demônios diversos, judeus, judeus, judeus, capitalistas, materialistas, cientistas, etc... Esta é a sina historicista, com origem na lateralização de nossos hemisférios cerebrais - sendo esta outra tese.

Sabemos ainda pelo entendimento do comportamento humano que algumas mentes estão mais capacitadas do que outras para encontrar padrões e ordem em meio ao caos. Algumas mentes estarão ainda destinadas a seguir e idolatrar líderes, enquanto algumas fantasiaram doentiamente sobre a realidade. Alguns líderes estarão destinados à iluminação, enquanto outros pretenderão, pela nevoa espessa e pela escuridão, um reinado de medo. Alguns estarão fadados à generosidade e a solidariedade, enquanto outros praticarão o mais sórdido egoísmo através de controle rígido e totalitário. O narcisismo, a ambição, a pulsão de vida e a procriação darão o tom; estamos bem distantes da savana africana, embora dispondo do mesmo aparato neural.

Vale notar que racionalismo e sensibilidade emocional não são mutuamente exclusivos. São características independentes e que podem até colidir em nosso cérebro, sendo estampado em nosso comportamento; mas uma pessoa emocional não significa uma pessoa irracional, e vice-versa. O sentimento é outra estória, é a verbalização da sensação emocional pura; e, portanto, estará impregnado pela linguagem, pela cultura, e por nossos estratagemas políticos. Daí tanta confusão.

Existem também pessoas que praticam o sentimentalismo; ou seja, que usam o sentimento como estratagema e alegando emoção... Daí a tal “espiritualidade”! A emoção é bioquímica, involuntária, real, física, e comanda as nossas vidas - sempre. O hipocampo, por exemplo, é responsável por selecionar e copiar trechos de nossa memória de curo prazo em nossa memória de longo prazo. Este importante módulo neural trabalha acossado pela emoção ou limitado pela falta dela. O racionalismo é uma capacidade genética, neural e bioquímica, e que não anula a emoção; sendo inclusive deflagrado por ela.

Gleiser comete muitos erros crassos em sua retórica quando deixa de trabalhar em prol do conhecimento para fazer o que chama de “estratégia diplomática”, e recusa a verdade. Ele comenta que deu uma entrevista para uma rádio AM, diante de uma plateia composta por pessoas simples – “operários e diaristas”; ao final, conta ele, foi interpelado por um senhor “com rugas precoces no rosto sujo de graxa”:

Quer dizer que o senhor quer tirar até Deus da gente?

Conheci muitos senhores com rugas prematuras mundo afora; e bem sei que o fenômeno da biologia da crença e o efeito rebanho não escolhem classes sociais. Mas a crença em deuses, a tendência a crendices sobrenaturais pode ser indutiva de piores condições sociais. De qualquer forma, uma boa instrução definitivamente pode ser um fator limitante no caso da tendência crente inata, e induzindo certa noção de lucidez e liberdade; e um fator estimulante quando a neuropsicologia é fértil para o convívio com a realidade. Mas vamos responder a Gleiser sobre a questão do senhor com “rugas prematuras”:

Não será mentindo sobre deuses forjados pelo historicismo para o mero controle político que o você aliviará o sofrimento deste senhor!

Por que Gleiser não lhes falou sobre os avanços em termos de Ciência Médica, com a redução da mortalidade infantil e o aumento da expectativa de vida - conforme supracitados? Gleiser não pensou que este senhor de rugas, por sua hesitação, e nesta mesma noite, vai pagar o dízimo a algum estelionatário? Este humilde senhor, além de estar livre da poliomielite, da varíola, do tifo, do sarampo, da morte prematura – com o sem rugas -, poderia estar livre também de ser sumariamente roubado! Aliás, este senhor tem a idade que tem, e pode orgulhar-se das rugas em seu rosto porque confrontamos as superstições em favor da VIDA!

A ignorância gera confiança com mais frequência do que o conhecimento: são aqueles que sabem pouco e não aqueles que sabem muito que tão positivamente afirmam que esse ou aquele problema jamais será resolvido pela ciência. - Charles Darwin

No século XVIII, as velhas crenças teológicas estavam sob fogo cruzado do livre-pensamento. Não obstante, a vontade de crer era reativada, reaparecendo de forma delirante, sempre que um nova moda sobrenatural era encenada. A varíola foi uma destas oportunidades para a ignorância religiosa desfilar o círio, e desatando uma tempestade de protestos teológicos contra a razão... Um clérigo anglicano chegou ao cúmulo de publicar  um sermão onde afirmava que:

[Assim como] as pústulas de Jó eram devidas à inoculação do diabo, assim havia sucedido com a crescente epidemia de varíola.

Vários "ministros" eclesiásticos escoceses escreveram manifestos contra a Ciência Médica e em especial contra a recente descoberta da circulação sanguínea, os estudos de anatomia, fisiologia, etc. – assim como o estudo de células-tronco em nossos dias; afirmando que estávamos “tratando de desafiar o julgamento de deus” – sobre quem deve ou não deve morrer, e quando (?)... Mas a varíola responderia à toda esta carolice com mais e mais mortes; quanto mais oravam e praguejavam contra a Ciência, mais mortos. Os terrores teológicos foram acalmados pelo terror imposto pela realidade da morte!

A controvérsia parecia declinar, quando foi descoberta a VACINA. Os "clérigos" de todas as facções da cristandade afirmaram em uníssono que:

[A vacina era um] insolente desafio aos céus, e à VONTADE DE DEUS.

Em Cambridge e na Sorbonne universitários cristãos unidos pronunciaram sermões opondo-se à VACINA. O mais grave sucedeu quando em 1885 e já no século XIX houve um disparo no número de casos da doença em Montreal, Canadá; e a parte católica da população repudiou a vacinação. Um sacerdote católico declarou que:

Se estamos afligidos pela varíola é por que comemoramos o carnaval no último inverno, festejando a carne e ofendendo ao Senhor.

As mortes vieram sem trégua sobre os católicos; "deus", por alguma misteriosa razão, pouparia apenas àqueles que foram vacinados...

Os Padres Oblatos, cuja igreja estava situada no coração do distrito infestado, seguiram denunciando a vacina; foi exortado aos fiéis para que se dedicassem a diversos tipos de devoção; com a permissão das autoridades eclesiásticas, foi ordenada uma grande procissão com um solene chamamento à Virgem, e foi cuidadosamente especificado o uso do rosário. (White; op. cit., v.II, p.60)

Pobres fiéis, aniquilados pela varíola! Esta seria uma excelente estória para Gleiser contar ao “senhor de rugas”; e sobre os mal entendidos envolvendo a nobre atitude científica – esta sim, uma verdadeira "benção", se preferirem... E existem outros tantos exemplos. O mesmo sucederia com o advento da descoberta dos efeitos anestésicos do clorofórmio, pelo médico escocês Sir James Young Simpson (1811—1870). Simpson, em 1847, recomendou o uso do clorofórmio para alívio das dores no parto, ao que o clero lhe respondeu com Gênesis [3:16]:

E à mulher disse: Multiplicarei grandemente a tua dor, e a tua conceição; com dor darás à luz filhos; e o teu desejo será para o teu marido, e ele te dominará. - Gênesis [3:16]

Simpson, no entanto, logrou aprovar os anestésicos para os homens, salientando que:

Deus anestesiou Adão, adormecendo-o, antes de extrair sua costela.

Terrível! Sim, precisamos abolir tudo isso, o Corão, a Torá, o Velho e o Novo Testamento, a RELIGIÃO; para vivermos melhor, com mais saúde, paz, e em verdadeira harmonia. E não seremos capazes da fazê-lo se não pudermos entender e combater o primeiro fundamento contido em tais livros; i.e., o enaltecimento da ignorância pelo repúdio à razão e ao entendimento, ao conhecimento REAL, factual, científico... E a subsequente glorificação da submissão, da servidão e do conceito de manada.

Não seremos capazes de abolir tais livros se não pudermos entender antes a clara sentença de morte à consciência e àqueles que a conservam: os "hereges"... E não poderemos dar este passo se não pudermos constatar também o preconceito, o sectarismo, o racismo, a pulsão de MORTE, e o regozijo pela morte, contido em tais mensagens apologéticas.

Precisaremos confrontar os dogmas de tais sociedades extremamente preconceituosas, estratificadas, eliminando o aspecto "pecaminoso" de escolher com quem casar, ou não se casar, e de viver como pretendemos; eliminando a figura absurda do dote, e enaltecendo a figura do afeto entre parceiros, entre casais. Esta não é a supremacia de uma cultura sobre a outra, senão a supremacia da liberdade sobre a opressão. Precisamos enaltecer o valor PENSAMENTO repudiando o culto à SUBMISSÃO...

Se eu pudesse impedir o sofrimento, eu o faria; se pudesse impedir o estupro, a violência contra crianças, a opressão de indefesos, a injustiça, eu o faria. E isso, além da coragem da verdade, me separa dos deuses... e os reduz a um pálido e doentio facho de terror, medo, e covardia - que a Neurociência pode explicar. Se os deus não se saíram bem com este mundo, porque se sairiam melhor em outro? O problema com as utopias é que nunca serão postas à prova.

E neste ponto devolvo a citação apelativa de O Pequeno Príncipe a Gleiser - porque este gesto de coragem é o verdadeiro gesto de amor:

Os homens esqueceram a verdade, disse a raposa. Mas tu não a deves esquecer. Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas. – Antoine de Saint-Exupéry (O Pequeno Príncipe)

Um homem de bem poder até seguir em frente com sua preferência devota, mas não pode esconder a VERDADE alegando que não existem verdades... E escutem a Galileu quando sabiamente adverte que a melhor forma de endereçar a verdade é propor proposições bem demarcadas e objetivas; questões genéricas e o truque da VERDADE ABSOLUTA só serve ao propósito de destruir proposições claras e objetivas, e benéficas à VIDA. Sim, porque diminuímos a mortalidade, a violência, e aumentamos a expectativa de vida porque existem verdades... Mas subimos em uma rampa acendente em forma de serra, com vieses de alta e baixa... mas avançando de forma contingente, convergente e cega... E fascismos, como estamos presenciando em nosso país, destroem os sonhos de algumas gerações. Destacando mais uma vez que existem gradações de erro, existem verdades, existem mentiras!

“[...] não há testemunho suficiente para fundamentar um milagre, a menos que o testemunho seja tal que sua falsidade seria ainda mais miraculosa que o fato que pretende estabelecer [...]. Peso um milagre contra o outro e, de acordo com a superioridade que descubro, pronuncio minha decisão e rejeito sempre o milagre maior.” – David Hume

Charles Bukowski, que muitos idolatram sem limites, não passou de um cínico e debochado; enquanto se autodestruía, publica e narcisisticamente, levou um mundo de bobos à vã idolatria. O mesmo fenômeno, com severos agravantes, pode ser dito do mito de Che Guevara, um psicótico covarde e assassino. Sendo estas proposições amplamente comprovadas - embora de outra classe de verificação: a documental.



Lutamos por essa indelével nuance que distingue o sacrifício do misticismo, a energia da violência, a força da crueldade, por essa nuance ainda mais sutil que separa o falso do verdadeiro, e o homem que almejamos nos tornar dos deuses frágeis que vocês reverenciam. - Albert Camus (Carta a um Amigo Alemão - I; 1943) 

MAS SIM, EXISTEM VERDADES - mesmo que não as queiram encarar... E relativizar a existência de proposições verdadeiras tem sido o primeiro ato daqueles que logo em seguida passarão a reclamar autoridade sobre a realidade - e sem apresentar qualquer tipo de prova, senão o CINISMO e não raro o DEBOCHE... Mas estarei aqui para denunciar!

A Filosofia não consistiria afinal em fingir ignorar o que se sabe e saber o que se ignora? Ela duvida da existência, mas fala seriamente do "Universo". - Paul Valéry (O Homem e a Concha)

Homens “tementes a deuses” realizaram proezas intelectuais e científicas; sempre e quando atuaram
como cientistas, como homens livres, e avessos à necessária submissão dogmática religiosa – exercida pelo temor... Homens religiosos emularam comportamentos científicos, e vice-versa. Então, separem conceitos e ideias de homens, e credos ou temores de atitudes...

O que é necessário não é a vontade de acreditar, mas o desejo de descobrir, que é justamente o oposto. - Bertrand Russell

Sob o obscuro pretexto de não atingir a perfeição muitos deixam de fazer a sua parte, capengando, e impedidos de culminar naquilo que realmente importa: PROGRESSAR! Algumas pedras da tradição
devem ser preservadas - poucas; mas não por respeito às pedras, mas por amor aos homens... E FELIZ DO HOMEM QUE PODE OPTAR PELA VERDADE!


Q.E.D.


Carlos Sherman