Promessas
de ano novo
Drauzio Varella
Se depender de bons
propósitos, nossa saúde no ano novo será perfeita.
É sempre assim: arrependidos
dos descalabros alimentares e dos exageros alcoólicos cometidos durante a
temporada de festas, todo início de ano juramos que, dali em diante, comeremos
e beberemos com parcimônia e nos exercitaremos. Alguns dias depois, o sentimento
de culpa se esvairá e a vida voltará à sua rotina glutônica e sedentária.
Comemos mais do que as
necessidades energéticas da vida moderna exigem, porque nosso cérebro foi
moldado em época de penúria. A fome, flagelo ancestral de nossa espécie, selecionou
entre nossos antepassados aqueles capazes de ingerir grandes quantidades de
alimentos para enfrentar as temporadas de jejum forçado que se seguiam. São os
genes que herdamos deles os responsáveis pela dificuldade de resistirmos à
tentação dos doces e pela incapacidade de parar no fim do primeiro prato de
feijoada.
Nossa história evolutiva
explica por que a fome é uma sensação tão irresistível quanto a sede. Seres
humanos que, no passado, eram capazes de comer muito e armazenar o excesso de
calorias sob a forma de tecido adiposo deixaram mais descendentes que lutam
contra a balança em razão da fartura atual.
A necessidade de economizar
calorias preciosas no tempo das vacas magras é a razão do paradoxo que cerca a
atividade física. Não apenas estamos cansados de saber que o exercício faz bem
para o organismo, como sentimos grande bem estar depois de praticá-lo. Por que,
então, uma atividade reconhecidamente benéfica que, ainda por cima, traz prazer
físico, é tão difícil de realizar?
Só pode ser por uma razão: o
exercício físico vai contra a natureza humana. No intervalo das refeições,
nossos familiares do tempo das cavernas faziam exercício ou ficavam sentados
para economizar energia? Alguém já viu uma onça no zoológico correndo para
exercitar os músculos? Ou um chimpanzé fazendo ginástica? Bem alimentado, o
animal repousa, assim como nós que, depois do almoço de domingo, levantamos da
mesa direto para nos refestelarmos no sofá.
Esse é o ideal da espécie
humana: da mesa farta para a poltrona macia.
Mas, como vencer esses
impulsos ancestrais, diante dos avanços da culinária e do conforto que nos
poupa até de sacrifícios insignificantes, como girar a manivela para fechar o
vidro do carro ou andar até a TV para mudar o canal?
Apesar de reconhecer que a biodiversidade
humana é suficientemente complexa para não admitir regras úteis para todos, vou
tomar a liberdade de fazer duas recomendações:
1) Se você está com excesso
de peso, olhe para os alimentos da mesma maneira com que encara a bebida: é
bom, mas em excesso prejudica. Fuja da tentação, levante da mesa imediatamente
depois de esvaziar o prato. O centro da saciedade demora alguns minutos para
ser ativado (a ponto de inibir o impulso da fome). Se você esperar atingir a
saciedade completa, pode ter certeza de que comeu mais do que devia.
As necessidades energéticas
do organismo diminuem com a idade. Não sejamos ridículos de, na maturidade,
atacar a comida com a volúpia dos 15 anos.
Não vamos esquecer que nosso
cérebro processa a perda de gordura como uma ameaça à sobrevivência e toma uma
série de medidas drásticas para fazer o corpo voltar ao maior peso já
alcançado.
2) Se você é daquelas
pessoas que esperam sentir disposição para praticar exercício, não perca tempo;
ela jamais virá. Pode ser que dê o ar da graça num domingo, na praia, num
sítio, mas, no dia-a-dia, esqueça: a natureza humana é sedentária. Para fazer
exercício com regularidade, é preciso disciplina militar: acordar mais cedo,
cumprir horários, não depender dos outros.
Se você é daquelas pessoas
chegadas à autocomiseração (“pobre de mim, onde vou achar tempo”), saiba que
isso é problema seu. Ou você acha que alguém o resolverá por você? Que alguém
lhe dirá: como recompensa por você ser mãe dedicada ou pai responsável, exemplar
no trabalho, vamos lhe reservar uma hora por dia para atividade física? Se você
tiver mesmo tais qualidades, é mais provável que lhe roubem uma hora a mais de
seu tempo já exíguo.
Para quem leva uma vida
dura, que realmente não deixa espaço para o exercício metódico, regular, a
única saída é incorporá-lo às atividades diárias. Pare o carro mais longe, vá a
pé. Em vez de pedir para os outros, levante da cadeira e vá buscar. Carregue
peso. Sempre existe uma escadaria por perto, e subir escadas é um exercício
maravilhoso.
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