Amigo, irmão, líder... (Guzzo
Jr.)
O que seria, no entender do
governo brasileiro, um "civil líbio"? Pelo que se pode deduzir da
posição oficial mais recente do Itamaraty a respeito do assunto, depende de quem
está atirando nele. Se é a tropa do companheiro Muamar Kadafi, que ao longo das
últimas semanas praticamente não tem feito outra coisa senão atacar a população
do seu próprio país com bombardeio aéreo, tiro de canhão e o que mais estiver
ao seu alcance, esse infeliz é alguém que faz parte de um problema interno de
um país amigo, em relação ao qual o Brasil tem pouco ou nada a dizer - eles são
líbios, eles que se entendam. Se são as Forças Armadas dos Estados Unidos,
Inglaterra ou França que põem em risco a população civil ao atacar alvos
militares na Líbia, na tentativa de interromper o massacre comandado pelo líder
supremo, o "civil líbio" muda automaticamente de situação: passa a
ser um valioso ser humano, que precisa urgentemente de proteção.
Diante dessa consideração moral de
primeira ordem, o Brasil exige um "cessar fogo" imediato. "Parem
de atirar contra as forças de Kadafi", diz nosso governo "porque
algum civil pode acabar machucado nessa história". Mas então por que, se
está tão preocupada com o bem-estar do "civil líbio", a diplomacia
brasileira não exigiu um "cessar-fogo" do coronel Kadafi quando
nenhuma potência estrangeira estava atirando nele, e era ele, justamente. Quem
atirava o tempo rodo contra o seu próprio povo? A resposta a essa dúvida não
está disponível no momento.
Se estava mudo até agora, o Brasil bem
que poderia continuar calado. Mas não é assim que as coisas funcionam no
Itamaraty de hoje e dos últimos anos. A política externa brasileira se
acostumou a manter-se em silêncio diante de crimes praticados por ditaduras de
Terceiro Mundo, desde que se apresentem como baluartes de resistência ao
"imperialismo" das grandes potências. Mas desata a falar assim
que esses crimes começam a criar problemas para algum dos ditadores de sua
predileção; passa imediatamente a pedir "soluções negociadas",
"entendimento multilateral", "renúncia ao uso da força"
etc. No
caso da Líbia, o Brasil solicita de todos os interessados uma "transição
pacífica" depois, naturalmente, de constatar que o ditador, em vez de
bater sozinho no "civil líbio", passou a apanhar de gente mais forte
que ele.
O
melhor mesmo, para o governo brasileiro, seria que Kadafi tivesse massacrado
logo a revolta popular contra sua ditadura. Eis aí um problema a menos - e o Brasil
poderia continuar mantendo excelentes relações com esse tirano saído de um
drama de circo, sem nenhuma necessidade de falar na sua "transição". Seria um alívio,
já que ele está entre os ídolos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que
o descreveu como "meu amigo, meu irmão e líder". Mas a realidade ficou
mais complicada e o atual governo, agora, tenta encontrar uma posição que não
incomode o ex-chefe nem deixe o Brasil, mais uma vez, do lado daquilo que
existe de pior no mundo. É um trabalho e tanto.
Convites feitos por presidentes da
República, por uma questão elementar de respeito, devem ser sempre aceitos,
salvo se o convidado tiver, realmente, algum motivo de força maior para não
aceitar. Não é o caso, de jeito nenhum, da recusa do ex-presidente Lula em
comparecer, junto com os demais ex-presidentes brasileiros à recepção oferecida
por Dilma Rousseff ao presidente Barack Obama durante sua recém-terminada
visita ao Brasil Todos aceitaram, menos Lula - que conseguiu, com um gesto só,
não apenas ser Mal educado, mas também apresentar um motivo ao mesmo tempo
falso e, ofensivo para a sua ausência. Lula alegou que não foi à recepção para
não "ofuscar" a presidente Dilma. É verdade que ele se considera o
sol que ilumina a Terra, e está convencido de que tudo se apaga na sua
presença; mas não foi para poupar Dilma de seu brilho, concedendo a ela o favor
de centralizar o palco, que recusou o convite. Agiu assim por puro e simples
despeito - não quis se ver no mesmo plano que os outros ex-presidentes, não
quis cumprimentar Obama, a quem não perdoa o cartaz internacional desde que foi
eleito presidente dos Estados Unidos, e não quis comparecer a um evento em que
o convidado principal não era ele.
Sua
desculpa, além disso, ofende. Lula está dizendo a Dilma que ela simplesmente desaparece
quando ele aparece - e que a presidente precisa de sua caridade para não sumir de
cena. Quem quer uma ajuda dessas?
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